opinião

Às portas do Judiciário: o tempo da vida e o tempo da Justiça

No Artigo anterior, abordamos a angústia dos que esperam de forma ansiosa e angustiante, pelo deslinde de uma causa, submetida ao Judiciário.

O tempo é, talvez, o bem mais democrático que possuímos: todos dispõem das mesmas vinte e quatro horas em cada dia. 

No entanto, sua percepção e seus efeitos não são iguais para todos. Há quem viva contando os segundos para a próxima medicação; quem aguarda ansioso pela data de uma cirurgia; quem suspira por uma resposta que pode significar vida ou morte.

No âmbito judicial, esse tempo se metamorfoseia. Aquilo que na vida se mede em dias ou horas; no processo, costuma se medir em meses ou anos. 

O calendário da Justiça tem sua própria cadência, marcada por prazos, despachos e conclusões, que quase nunca dialogam com a urgência da vida real.

Não são raros os casos em que uma decisão chega tarde demais. 

A criança que esperava uma vaga em creche já cresceu. O idoso que clamava por um exame faleceu antes que a tutela fosse cumprida. A família que aguardava um medicamento importado viu sua luta perder sentido diante do agravamento irreversível da doença. O processo, então, cumpre seu rito, mas falha em sua razão de ser.

Quantas vezes, em minha rotina, encontro mães que me procuram trazendo não apenas receitas médicas, mas uma ansiedade quase palpável em cada palavra. Elas não pedem favores: pedem tempo. Tempo que não possuem, mas que o processo insiste em lhes negar.

Esse descompasso é cruel, porque o jurisdicionado não pede luxo, mas socorro. E para quem já vem sofrendo, cada hora parece uma eternidade. O tempo da Justiça, porém, insiste em seguir seu próprio compasso, como um trem que parte da estação sempre depois que o passageiro já se foi.

A tecnologia trouxe velocidade aos autos, mas não alterou a essência dessa espera. Sistemas eletrônicos substituíram papéis, mas a angústia de quem precisa continua sendo “de carne e osso”. 

No tempo da vida, cada minuto pode salvar; no tempo do processo, cada minuto se perde em carimbos digitais e em movimentações processuais que não devolvem saúde, dignidade ou paz.

Em audiências, não raro percebo no olhar das partes, um tipo de  pergunta que não se verbaliza: “doutor, quando sai a decisão?”. 

Não se trata de impaciência, mas de sobrevivência. É nesse abismo entre a urgência da vida e o compasso da Justiça que mora a frustração mais dolorosa.

O desafio que se coloca é alinhar esses dois relógios: o da vida e o da Justiça. Não se trata apenas de julgar mais rápido, mas de julgar no tempo certo (aquele em que a decisão ainda é capaz de transformar a realidade que a provocou).

Ao fim e ao cabo, nenhuma sentença será suficiente se, antes dela, o tempo da vida já tiver levado consigo a esperança. O papel do Judiciário não é apenas proclamar direitos, mas lhes fazar pulsar no mesmo ritmo em que pulsa a existência humana.

E é essa sintonia que sigo perseguindo diariamente, na defesa de quem bate às portas do Judiciário: não uma Justiça veloz por si só, mas uma Justiça que chegue enquanto ainda há vida.


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