Brasil desafia Trump ao condenar Bolsonaro, diz jornal New York Times
Jornal americana analisa que sentença de mais de 27 anos a ex-presidente na trama golpista foi 'resposta' a medidas de pressão do chefe da Casa Branca
O Brasil "respondeu" à pressão do presidente americano, Donald Trump, condenado o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão por liderar uma conspiração fracassada para permanecer no poder após a derrota nas eleições de 2022.
A avaliação é do jornal New York Times, que considerou a sentença um "desafio" ao chefe da Casa Branca. Isso, depois de o republicano ter "deixado claras suas exigências", como retirar as acusações.
"Para mostrar que falava sério, ele impôs tarifas punitivas ao Brasil, iniciou uma investigação comercial e impôs algumas das sanções mais severas à sua disposição contra o ministro da Suprema Corte que supervisionava o caso.
O Brasil respondeu na quinta-feira condenando Bolsonaro mesmo assim", escreveu o NYT na reportagem, publicada neste sábado e assinada pelo jornalista Jack Nicas.
O jornal destacou que a resistência tem marcado a resposta do Brasil a Trump desde que o presidente americano "começou a tentar intimidar" o país. "Até agora, não resultou em desastre", concluiu.
Por 4 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal condenou Bolsonaro, apontado como chefe de uma organização criminosa que tentou tomar o poder no país.
A pena de mais de 27 anos, em regime inicial fechada, foi a mais alta entre os oito réus sentenciados como integrantes do núcleo crucial da trama golpista. Ministros do STF criticaram a tentativa de interferência externa e as articulações por anistia, e o governo dos Estados Unidos prometeu reagir ao que chamou de "caça às bruxas".
Na reportagem, o NYT destacou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viu seus números nas pesquisas aumentarem a partir dos embates com o homólogo americano. Já Alexandre de Moraes, o ministro do STF incluído no rol de sanções financeiras da Lei Magnitsky, "tem sido fortemente apoiado pelas instituições democráticas brasileiras", disse o jornal, que ainda citou o aumento de 4% nas exportações globais do Brasil em um mês, mesmo com as tarifas de 50% impostas por Trump, devido à alta de compras da China.
— Alguém acredita que um tuíte de um funcionário de um governo estrangeiro mudará uma decisão do Supremo Tribunal Federal? — disse o ministro Flávio Dino ao votar, na semana passada, em declarações reproduzidas pelo NYT.
Até que ponto EUA podem reagir?
Segundo o jornal, não está claro até onde os EUA estão dispostos a ir na "luta" contra o Brasil, sendo que o governo americano "já utilizou algumas de suas ferramentas mais poderosas". Além disso, novas medidas econômicas arriscam causar desgaste interno ao governo Trump.
"Suas ações mais recentes se concentraram principalmente na revogação de vistos de algumas autoridades brasileiras. Se as tarifas persistirem — ou mesmo aumentarem —, pode ser difícil explicar aos eleitores americanos por que eles deveriam pagar mais por carne bovina, café e açúcar para intervir no caso de Bolsonaro", ressalta a reportagem.
O NYT apontou que, segundo as autoridades americanas, a reação vai além do caso de Bolsonaro e se refere a supostas violações da liberdade de expressão e bloqueios em redes sociais. O jornal disse que as ações de Moraes, "duras em alguns momentos e carentes de transparência", têm mesmo gerado críticas e repercutiu as declarações da porta-voz da Casa Branca de que Trump "não tem medo de usar o poderio econômico e militar" para, segundo ela, proteger liberdades mundo afora.
Trump "não pareceu ansioso" para intensificar a briga ao ser questionado após a condenação do ex-presidente brasileiro, disse o jornal, que concluiu: "a campanha da Casa Branca contra o Brasil não impediu a condenação de Bolsonaro, mas prejudicou a imagem dos Estados Unidos no país e aproximou seu maior aliado no Hemisfério Ocidental da China".
O NYT acrescentou que a percepção público no Brasil sobre os Estados Unidos despencou e sobre a China, melhorou.
"Embora apoiadores de Bolsonaro tenham agitando bandeiras americanas em protestos para agradecer a Trump, a pesquisa mostrou que seu apoio aos Estados Unidos [dos bolsonaristas] já era tão alto que praticamente não se alterou com sua intervenção", analisou o jornal.