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Pix: maioria das notificações de fraude são recusadas por bancos, e devolução não chega a 10%

Índice de rejeição das solicitações pelas instituições é considerado elevado. Febraban argumenta que em muitos casos faltam provas

Pix Automático poderá ser usado para pagar contas como a de telefonia, assinaturas como a de streaming e mensalidade de academia - Bruno Peres / Agência Brasil

Menos de 10% dos valores desviados por meio de fraudes via Pix foram recuperados entre novembro de 2021 e junho de 2025 após pedido de devolução pelas vítimas, apontam dados obtidos pelo Globo.

No período, foram feitos 11,2 milhões de pedidos de ressarcimento por meio do Mecanismo de Devolução Especial (MED), em um valor total de R$ 17,6 bilhões. Mas apenas R$ 1,4 bilhão foram realmente recuperados (8,2%).

O MED foi criado em 2021 para facilitar a devolução de valores desviados devido a golpes, fraudes, coerção ou falhas operacionais no Pix. O Banco Central (BC) vem trabalhando em medidas para fechar as brechas exploradas pelos criminosos, algumas já anunciadas.

A parcela de recursos recuperados via MED refere-se a transações que foram previamente consideradas fraudulentas pelas duas instituições financeiras que intermediaram a operação — um dos passos do processo de devolução no âmbito do Pix.

Os dados também mostram que o percentual de suspeitas de fraude que são consideradas procedentes pelos bancos e fintechs envolvidas nas operações é inferior à metade do total de notificações. De janeiro de 2022 a junho de 2025, apenas 11,4 milhões foram consideradas procedentes de um total de 27 milhões.

 

Como é o funcionamento
Segundo fontes, os números baixos de confirmação de fraudes e recuperação dos recursos decorrem de uma série de entraves no funcionamento do MED. Atualmente, para acionar o mecanismo, o passo a passo é o seguinte, de acordo com o BC:

A vítima tem até 80 dias da data da transação para reclamar com a sua instituição de pagamento por meio dos canais oficiais;

A instituição avalia o caso e, se entender que faz parte do MED, o recebedor do seu Pix terá os recursos disponíveis bloqueados na conta;

O caso é analisado pelas duas instituições que intermediaram a transação em até 7 dias;

Caso a suspeita seja confirmada pelas duas instituições, o banco da vítima faz uma solicitação de devolução e, em até 96 horas, o cliente receberá o dinheiro de volta (integral ou parcialmente) se houver recursos na conta do fraudador. Se o caso for descartado, os valores são desbloqueados na conta do recebedor.

Se a devolução for parcialmente, o banco do fraudador deverá realizar múltiplos bloqueios ou devoluções parciais sempre que forem creditados recursos nessa conta, até que se alcance o valor total da devolução ou 90 dias contados a partir da transação original.

Quais são os problemas?
O primeiro obstáculo é o desconhecimento de parte dos clientes sobre a ferramenta. Os usuários também enfrentam dificuldades para contestar a operação em seu banco de relacionamento.

Além disso, o índice de rejeição das solicitações de fraude pelas instituições é considerado alto e, em algumas situações, a negativa é dada em poucos minutos, o que acende um alerta sobre a qualidade da avaliação. Por fim, a devolução pode ser comprometida pela falta de fundos na conta do recebedor.

O último entrave é considerado um reflexo direto da velocidade do Pix, que permite que o dinheiro desviado seja pulverizado rapidamente com transferências para outras contas. Além disso, o MED atualmente só alcança o primeiro destinatário da transação fraudulenta.

Mudanças nos processos

A expectativa é de que a eficácia do processo aumente nos próximos meses, quando entrarão em vigor medidas já anunciadas pelo BC. No MED, a partir de 23 de novembro, será possível seguir o “caminho do dinheiro”, para além da primeira conta que recebe os recursos desviados.

Outra mudança é que, já no mês que vem, todos os participantes do Pix terão de disponibilizar, no espaço dedicado ao meio de pagamento em seus aplicativos, uma funcionalidade para que uma transação possa ser facilmente contestada, sem a necessidade de interação humana.

O que diz o BC
Em nota, o BC disse que a segurança é um dos pilares do Pix e que o número de fraudes envolvendo o meio de pagamento vem se mantendo relativamente estável como proporção do total de transações. Em 2022, foram 7 fraudes a cada 100.000 transações. Em 2023, 6 fraudes. Em 2024, 8 fraudes a cada 100.000 transações. Neste ano, foram 5 fraudes a cada 100.000 transações até o mês de agosto.

Além disso, o órgão considera que as medidas anunciadas recentemente no âmbito do MED e em relação à rejeição de transferências suspeitas aumentam a segurança no Sistema Financeiro Nacional. “Esse conjunto de medidas está sendo tomado para aprimorar a segurança das instituições participantes do Sistema Financeiro Nacional, tendo em conta, inclusive, os ataques e ações recentes do crime organizado.”

Fora do âmbito do MED, a obrigatoriedade de rejeição de transações para contas com “fundada suspeita de envolvimento em fraude”, anunciada na semana passada, também pode contribuir para um crescimento do volume de recursos recuperados, embora essa regra já exista no âmbito do Pix.

A norma estabelece que as instituições devem utilizar todas as informações disponíveis, incluindo aquelas constantes em sistemas eletrônicos e bases de dados de caráter público ou privado, para avaliarem o envolvimento das contas em fraudes.

O que dizem os bancos
O diretor de inovação, produtos e serviços bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Ivo Mósca, explica que muitas vezes faltam evidências suficientes para acatar a solicitação de fraude por meio do MED. Mósca também considera que a baixa devolução de recursos é reflexo direto da velocidade transacional do Pix, que possibilita que os recursos desviados sejam transferidos para outras contas rapidamente.

Na avaliação do diretor da Febraban, o aprimoramento anunciado pelo BC no mecanismo deve ajudar na recuperação dos valores, mas ele afirma que também seria desejável um prazo de liquidação maior para transações suspeitas no Pix. Hoje, é de até 10 segundos.

— É um benefício que o Pix tenha agilidade e liquidação rápida, e queremos mantê-las, mas o fato de alguém receber R$ 10 mil às 15h20 e querer transferir esses mesmos R$ 10 mil às 15h21 não me parece ser uma necessidade comum. Só poder tirar o dinheiro da conta em 30 minutos ou 1 hora parece ser uma solução que não vai ter qualquer impacto transacional ou comercial — disse Mósca, completando que essa mudança diminuiria a velocidade de pulverização, aumentando assim a recuperação de valores.