opinião

Cidades mais seguras para mulheres começam com planejamento urbano

Faz parte do cotidiano da mulher ter medo de atravessar ruas escuras e vazias. Quem de nós, em qualquer idade, nunca viveu uma situação de violência - real ou potencial - ao realizar o simples ato de caminhar pela cidade? O medo também é alimentado por histórias que ouvimos de outras tantas mulheres. E isso nos obriga a refletir: por que ainda não temos garantido o nosso direito básico de ir e vir com segurança?

É nesse contexto que trago uma discussão urgente sobre a nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS) do Recife, que representa a última etapa da revisão urbanística do Recife. O texto propõe uma mudança histórica ao incorporar uma diretriz inédita prevista na revisão do Plano de Ordenamento Territorial (POT), que antecede a LPUOS: "Recife Cidade Mulher, Cidade Acessível". Pela primeira vez, a legislação urbanística reconhece que mulheres e homens vivem e circulam pela cidade de formas diferentes e, portanto, têm necessidades distintas.

O POT, por sua vez, detalha a revisão e a regulamentação do último Plano Diretor do Recife (PD), sancionado em 2020. Na época, as propostas inovadoras com recorte de gênero nas políticas urbanas do município foram apresentadas pela equipe da Secretaria da Mulher do Recife, cuja secretária era Cida Pedrosa. 

A nova LPUOS torna obrigatória a criação de calçadas largas, contínuas, acessíveis e arborizadas, além de jardins na faixa frontal dos lotes. São elementos que, mais do que estéticos, aumentam a sensação de segurança. Iluminação adequada, visibilidade e fluxo de pessoas são aliados fundamentais para que possamos andar pelas ruas com menos medo.
Outra mudança importante diz respeito aos muros altos e contínuos que isolam imóveis do espaço público, gerando trechos desertos e inseguros. A nova lei estabelece que os fechamentos devem ser permeáveis - como gradis ou muretas baixas - permitindo maior integração visual entre o privado e o público, o que contribui para um ambiente urbano mais acolhedor e vigilante.

A LPUOS também estimula a criação de fachadas ativas, ou seja, frentes de prédios com comércios, cafés e serviços voltados diretamente para a rua. A presença de vitrines iluminadas, portas abertas e circulação de pessoas transforma completamente a dinâmica do bairro e aumenta a segurança.

Outro ponto a destacar é a possibilidade de transformar áreas privadas às margens de rios em parques e praças públicas, por meio de doações ao município. Esses espaços, quando planejados com iluminação, mobiliário urbano e acessibilidade, substituem os antigos terrenos baldios que inspiram medo e abandono. Um exemplo claro dessa nova visão é o Parque do Baobá, que ressignificou um espaço antes negligenciado.

Por fim, a LPUOS propõe o incentivo à construção de habitação de interesse social nas áreas centrais do Recife. Isso representa uma mudança significativa para muitas mulheres que vivem na periferia e precisam enfrentar longos trajetos - e todos os riscos associados a eles - para trabalhar, estudar ou simplesmente acessar o lazer. Morar mais perto dos centros urbanos significa mais autonomia, mais tempo livre e menos exposição à violência.

A nova lei está em debate na Câmara Municipal do Recife, e é fundamental que ela avance. Enquanto o planejamento urbano não considerar as necessidades específicas das mulheres, seguiremos vulneráveis. Cidades mais seguras e inclusivas começam com decisões políticas que reconheçam nossos direitos e realidades.



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