Onda de calor dizimou até pouco mais da metade de corais em Pernambuco, mostra estudo
Em São José da Coroa Grande, no Litoral Sul, perdas chegaram a 53%. Estudo foi finalizado no ano passado, o mais quente da história
Recifes de coral no Litoral Sul de Pernambuco foram dizimados pela onda de calor que varreu os oceanos do planeta em 2023 e 2024, segundo estudo publicado na revista científica Coral Reefs.
Em São José da Coroa Grande, foi observada a maior perda em Pernambuco, de 53%, pouco mais da metade de toda a cobertura coralínea. Já em Porto de Galinhas, 28% dos corais morreram. As informações foram publicadas no Jornal da USP.
O estudo identificou que o Nordeste foi a região mais impactada, com Maragogi, no norte de Alagoas, alcançando o pico. No local, 88% da cobertura de corais foi devastada.
Em outras regiões monitoradas, o impacto foi mínimo ou nulo. Em Fernando de Noronha, também em Pernambuco, por exemplo, foi de 0%.
O levantamento é o primeiro feito sobre impactos de um evento global de branqueamento sobre os recifes de coral brasileiros.
Branqueamento é um fenômeno induzido pelo excesso de calor na água do mar, que faz com que os corais expulsem as microalgas fotossintetizantes (chamadas zooxantelas) que vivem dentro de suas células e produzem grande parte da energia necessária à sua sobrevivência.
Quando isso ocorre, os corais perdem a cor (“branqueiam”) e podem vir a morrer, dependendo da intensidade e da duração da onda de calor, entre outros fatores.
Os pesquisadores monitoraram ao todo 18 ecossistemas recifais ao longo de quase toda a costa brasileira entre agosto de 2023 e dezembro de 2024, incluindo os três em Pernambuco.
De acordo com o Jornal da USP, as observações foram feitas "em tempo real": antes, durante e depois do pico de branqueamento, que ocorreu entre abril e junho de 2024.
O ano passado foi o mais quente já registrado na história recente do planeta, tanto em terra quanto no mar.
Resultados
Os resultados do monitoramento trouxeram boas e más notícias. Além de Maragogi (88%), São José da Coroa Grande (53%) e Porto de Galinhas (28%), também foi observada alta mortalidade nos corais de Rio do Fogo, no Rio Grande do Norte, onde a cobertura caiu 38%.
Em média, destaca o estudo, os corais brasileiros foram expostos a 88 dias de estresse térmico no período, o que equivale a quase três meses de temperaturas acima do normal.
O branqueamento afetou cerca de um terço (36%) das áreas avaliadas, com diversas espécies de coral impactadas.
"É assustador, porque fica a sensação de que a gente está correndo contra o tempo", disse a bióloga Giovanna Destri, que faz doutorado no Instituto Oceanográfico (IO) da USP.
A bióloga afirmou, ainda, que os resultados são um alerta do que pode vir a acontecer em outros lugares do Brasil e do mundo nos próximos anos, com o agravamento das mudanças climáticas e eventos de branqueamento.
Estudos projetam um colapso quase que total dos recifes de coral do planeta nas próximas décadas, caso a tendência de aquecimento siga na trajetória atual.
Por outro lado, destaca o estudo, a boa notícia, por enquanto, é que na maioria dos pontos monitorados não houve perda de cobertura coralínea, apesar das condições de temperatura às quais foram submetidos os corais.
"Nessas localidades, os corais branquearam, mas não morreram, e recuperaram suas zooxantelas depois que a temperatura baixou. Isso inclui todos os pontos do sul da Bahia para baixo e do Rio Grande do Norte para cima, incluindo o Banco dos Abrolhos, o Arquipélago de Fernando de Noronha e o Atol das Rocas", destacou o Jornal da USP.
O trabalho foi liderado pelo Projeto Coral Vivo, com a participação de dezenas de pesquisadores, vinculados a 20 instituições — incluindo 15 universidades públicas brasileiras, três organizações não governamentais brasileiras, uma agência federal brasileira e uma universidade francesa.
"A beleza desse trabalho, apesar de descrever algo muito triste, é o esforço que conseguimos fazer de juntar a comunidade científica brasileira em torno de descrever o que está acontecendo e de alertar a sociedade brasileira", afirmou o professor Miguel Mies, do Laboratório de Recifes de Corais e Mudanças Climáticas (Larc) do Instituto Oceanográfico da USP.
Considerando todas as áreas pesquisadas, a redução na cobertura de corais vivos como um todo foi de 5%. As espécies que apresentaram maior índice de mortalidade foram Scolymia wellsii (redução de 66%), Millepora alcicornis (54%) e Mussismilia harttii (28%), conhecidas genericamente como coral-esmeralda, coral-de-fogo e coral-vela.
A primeira é preocupante, porque nunca havia branqueado antes; e as outras duas são particularmente preocupantes por serem peças fundamentais na complexidade estrutural dos recifes brasileiros, da qual centenas de espécies de peixes e invertebrados marinhos dependem para a sua sobrevivência.
A extinção local de uma dessas espécies, portanto, pode comprometer gravemente a saúde do ecossistema, com consequências potencialmente severas também para a pesca e o turismo.
Segundo os pesquisadores, diante do cenário atual de agravamento crescente do aquecimento global, é difícil imaginar que novas colônias de corais terão uma chance de se estabelecer com sucesso nesses ambientes degradados, para substituir aquelas que foram mortas em 2024.
"Esperança sempre há, de que as coisas podem melhorar", finalizou Destri.
O artigo Coral bleaching and mortality across a 24° latitudinal range in the Southwestern Atlantic during the fourth global bleaching event pode ser lido neste link.
Aquecimento crescente
Eventos de branqueamento em massa vêm ocorrendo com mais frequência e maior intensidade nas últimas décadas, em função do aquecimento global causado pela queima de combustíveis fósseis.
Desde 1997, segundo os cientistas, já ocorreram quatro eventos globais de branqueamento — quando vários recifes de coral branqueiam quase que simultaneamente ao redor do mundo —, além de centenas de eventos locais ou regionais.
O quarto, e mais intenso, desses eventos globais ainda está em curso: começou em 2023 e já afetou 84% dos recifes de coral do mundo, com registros de branqueamento em 82 países, segundo um levantamento divulgado em abril deste ano.
Os recifes de coral brasileiros foram afetados por todos esse eventos, mas nunca havia sido feito um estudo integrado para avaliar a extensão e os danos causados pelo branqueamento em larga escala, de forma sistemática e padronizada, contemplando toda a costa nacional. Até agora.
Estudo publicado na revista Nature prevê que 70% dos recifes de coral das regiões tropicais do Atlântico ocidental poderão entrar em processo de erosão até 2040, em função do aumento do nível do mar, causado pelo aquecimento global. Essa taxa aumenta para 99% até 2100, se o aquecimento passar de 2ºC.