EUA

O que é a Lei Magnitsky usada por Trump contra esposa de Moraes, quais punições e quem já foi punido

Norma foi criada para punir violadores de direitos humanos e envolvidos em graves casos de corrupção

Alexandre de Moraes e a esposa, Viviane Barci de Moraes - Ricardo Stuckert/PR

A esposa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Viviane Barci de Moraes, e o instituto de estudos jurídicos dos Moraes foram incluídos na lista de sancionados pela Lei Magnitsky, norma dos Estados Unidos que prevê uma série de bloqueios financeiros que, na prática, extrapolam as fronteiras dos Estados Unidos e que podem ser decretadas sem necessidade de condenação em processo judicial.

As sanções da Magnitsky são implementadas por um ato administrativo do governo americano, que pode ou não ser lastreado em informes de autoridades e organismos internacionais. Desde 2017, a lei permite a inclusão de pessoas e entidades acusadas de graves violações de direitos humanos e envolvimento em grandes casos de corrupção ao redor do mundo.

O ministro Moraes foi o primeiro brasileiro sancionado no marco da Magnitsky, por razões políticas. A justificativa é a de que o ministro do STF persegue o ex-presidente Jair Bolsonaro, recentemente condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes.


A aplicação da norma americana a Moraes é controversa, uma vez que o ministro não é acusado de corrupção e suas decisões judiciais são referendadas pelo STF em um regime internacionalmente reconhecido como democrático. O Brasil é considerado uma democracia com poder Judiciário independente pelos principais projetos acadêmicos internacionais de democracia comparada, como o da organização americana Freedom House e do V-Dem.

A aplicação da norma ao ministro do STF também tem sido classificada como abusiva e ilegal por juristas americanos e até pelo criador da lei, o investidor e militante Bill Browder.

O que é a Lei Magnitsky?
Sancionada pelo então presidente americano Barack Obama em 2012, a lei foi criada originalmente com o objetivo de punir os responsáveis pelo assassinato do advogado e militante russo Sergei Magnitsky, opositor de Vladimir Putin morto em uma prisão em Moscou em 2009.

Em 2016, o escopo da norma foi ampliado para permitir que o governo dos Estados Unidos possa sancionar pessoas pelo mundo que tenham desrespeitado os direitos humanos ou que sejam acusadas de corrupção. Não é necessário, porém, que haja condenação oficial para que as sanções sejam aplicadas.

Qual é a sanção prevista pela Lei Magnitsky?
A principal sanção prevista na lei é o bloqueio de bens de pessoas ou organizações que estejam nos Estados Unidos. Isso inclui desde contas bancárias e investimentos financeiros até imóveis, por exemplo.

Os sancionados tampouco podem realizar operações que passem pelo sistema bancário dos Estados Unidos. Na prática, isso leva ao bloqueio de ativos dolarizados mesmo fora da jurisdição americana, bem como o bloqueio de cartões de crédito internacionais de bandeiras com sede no país (a exemplo de American Express, Visa e Marcercard).

A lei também inclui o banimento de entrada nos Estados Unidos e a proibição de negociar com empresas e cidadãos americanos.

Há, ainda, a possibilidade da suspensão de contas em redes sociais que tenham sede nos Estados Unidos, como o Google. Isso inclui o bloqueio de acesso a serviços como Gmail, Google Drive, YouTube e Google Pay, mesmo que utilizados no Brasil ou em outros países.

Empresas de tecnologia como Google, Meta, Amazon e Apple, que têm sede nos EUA, são legalmente obrigadas a monitorar e relatar quaisquer movimentações financeiras, digitais ou contratuais que envolvam indivíduos atingidos pelas restrições previstas na lei Magnitsky, sob pena de sanções próprias.

Quem já foi punido?
A lei Magnitsky já foi aplicada pelos Estados Unidos a mais de 650 pessoas desde 2017.

De acordo com o último relatório publicado pelo governo americano sobre as sanções aplicadas no marco da Lei Magnitsky, relativo a 2023, a norma “tem como alvo quem está conectado com sérios abusos dos direitos humanos, agentes de corrupção e seus facilitadores”.

Somente em 2023, foram sancionados indivíduos de nove países, em sua maioria ditaduras ou regimes considerados híbridos, em que democracias eleitorais formais convivem com práticas autoritárias e ataques a liberdades políticas. Naquele ano, estavam entre os sancionados pessoas de Afeganistão, Bulgária, Guatemala, Haiti, Libéria, Paraguai, China, Rússia e Uganda.

A lei americana foi aplicada pela primeira vez a estrangeiros não ligados ao regime russo em 2017. Entre eles, estava o empresário dominicano Ángel Rondón Rijo, que, segundo o Departamento do Tesouro americano, atuava como operador financeiro da empreiteira brasileira Odebrecht. Rondon foi preso no mesmo ano por crimes relacionados ao pagamento de subornos em obras envolvendo a construtora. Também foram alvos de sanções na ocasião o então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua, Roberto José Rivas Reyes, o deputado guatemalteco Julio Antonio Juárez Ramírez e o ex-presidente da Gambia Yahya Jammeh (1994-2017).

Entre os já sancionados desde a ampliação dos efeitos da lei, estão também o ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes (2013-2018) e o ex-vice-presidente do país Hugo Adalberto Velazquez Moreno (2018-2023). Ambos sofreram as restrições da norma por supostos casos de corrupção em 2023.

Quais países adotam a Lei Magnitsky?
Além dos Estados Unidos, a União Europeia e o Reino Unido adotam leis similares à Magnitsky, com sanções correlatas. A lista de sancionados, no entanto, não é a mesma em todos esses países. No caso de Moraes e da esposa, é improvável que demais países e organismos internacionais repliquem a punição dada ao casal pelos Estados Unidos, principalmente pela motivação política, e não técnico-jurídica da inclusão dos dois no rol da Magnitsky.