Do estigma ao destaque: a consolidação da Educação Profissional e Tecnológica no país
Antes vista como alternativa menor, a EPT conquista protagonismo e atrai cada vez mais jovens em busca de oportunidades de trabalho
Em um cenário em que o mercado de trabalho exige cada vez mais qualificação e adaptação às rápidas transformações tecnológicas, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) se consolida como um caminho estratégico para ampliar oportunidades e impulsionar o desenvolvimento econômico. Presente em diferentes níveis de ensino - da formação inicial às graduações tecnológicas -, a modalidade combina teoria e prática, preparando estudantes para setores essenciais, como indústria, serviços, tecnologia e saúde.
O ensino profissionalizante no Brasil registrou em 2024 um total de 2,57 milhões de matrículas, o que representa um crescimento de 2,4 vezes em relação ao registrado em 2023. Desse total, 1,57 milhão de matrículas estão na rede pública. Se considerado o ensino médio regular combinado com curso técnico ou de magistério, a proporção de matrículas no ensino médio regular nestes programas vocacionais cresceu de 12,5% do total de matrículas em 2021 para 17,2%, no ano passado. Os dados da educação profissional e tecnológica (EPT) no ensino médio são do Censo Escolar 2024.
Ao comentar os dados, o ministro da Educação, Camilo Santana, destacou os esforços do governo para expandir a modalidade e colocar o Brasil nos patamares dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre os estados, o Piauí se destaca, com 52,4% das matrículas do ensino médio regular em programas vocacionais. Já na distribuição por redes, 74,3% das matrículas de EPT estão na rede estadual; 21,4%, na federal; e 4,3%, na municipal.
Valorização
Nos últimos anos, a EPT deixou de ser vista como uma escolha de “segunda opção” para ganhar protagonismo no Brasil. Para Ana Dias, diretora de Educação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-PE), a mudança reflete uma aproximação com referências internacionais, como Alemanha, França e China.
Segundo ela, esse avanço tem quebrado antigos preconceitos. “Havia uma discriminação muito grande. Quem concluía o ensino médio só queria ir para a universidade. Mas nem todos cabem lá, seja financeiramente ou em termos de oportunidades no mercado de trabalho”, afirma. Hoje, acrescenta, o curso técnico funciona como uma ponte: “O aluno ganha experiência, consegue muitas vezes pagar sua graduação depois e vai galgando novos espaços.”
Essa mudança de percepção é reforçada pelo desempenho do Brasil em competições internacionais, como a World Skills, que avalia habilidades técnicas em diferentes profissões. O país já conquistou o primeiro lugar em 2015 e segue entre os cinco melhores do mundo. “O Senai e o Senac são os representantes do Brasil nessas disputas, o que é uma referência importante”, lembra a diretora.
Em Pernambuco, os avanços também são visíveis: a rede estadual passou de zero para 58 escolas técnicas em funcionamento, com previsão de chegar a 70. Já o Senai ampliou sua oferta de dois cursos técnicos, em 2003, para 27 atualmente.
Desafios
Mas os progressos não apagam os obstáculos. Ana Dias aponta três grandes frentes: atualização constante, formação de professores e evasão escolar. O primeiro desafio é acompanhar a velocidade das transformações tecnológicas. “Hoje, além da mecânica tradicional e dos carros automáticos, já precisamos capacitar os alunos em híbridos e elétricos. Esse processo envolve investimento em equipamentos e capacitação docente”, diz.
A questão da docência também preocupa. Para formar e reter professores, o Senai promove capacitações semestrais e treinamentos específicos, como o de eletromobilidade. “O desafio não é só formar, mas manter esses profissionais conosco”, reforça.
No caso da evasão, a atenção é maior nos primeiros meses do curso. “Se o aluno ultrapassa esse período, dificilmente vai evadir. Por isso, o docente precisa encantá-lo desde o primeiro dia, mostrando o impacto do curso no futuro profissional”, explica.
Uma das estratégias para enfrentar esses entraves é estreitar laços com o setor produtivo. Ana destaca que o Senai atua em conjunto com empresas para definir as competências que serão exigidas nos próximos anos. “Em Vitória de Santo Antão, por exemplo, reunimos as indústrias da região para escolher os cursos que serão oferecidos na nova escola. A prioridade é atender o que a maioria do setor precisa”, conta.
Essa aproximação também ajuda a explicar os índices de empregabilidade. No Senai Pernambuco, 85% dos formados estão empregados ou empreendendo. “A educação profissional realmente transforma vidas”, resume.
IFPE
Se na rede do Senai a prioridade é a conexão direta com a indústria, no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) o foco se amplia para a integração entre ensino, pesquisa e extensão. A pró-reitora de Ensino, Magadã Lira, ressalta que o país avançou no reconhecimento da EPT, mas ainda depende de políticas públicas consistentes.
“Percebemos uma valorização maior da formação técnica e tecnológica, com investimentos que ampliaram o acesso e a permanência dos estudantes. Ainda assim, precisamos de políticas que não sofram descontinuidade a cada mudança de governo”, afirma.
Magadã observa que o Brasil busca alinhar-se a tendências internacionais, como a digitalização dos processos produtivos e a valorização da sustentabilidade, mas lembra que a desigualdade regional ainda limita esse avanço. “Enquanto alguns estados avançam com rapidez, outros ainda carecem de infraestrutura básica para ofertar cursos atualizados”, destaca.
Outro ponto defendido pela gestora é a necessidade de integrar a formação às realidades locais. “Não basta formar para o mercado de forma genérica, é preciso considerar a realidade de cada região, os setores que mais demandam mão de obra qualificada e o potencial de inovação presente nos territórios”, avalia.
O debate, no entanto, vai além da empregabilidade. Para Magadã, a formação técnica também deve preparar o estudante para exercer protagonismo social. Ela reforça que o currículo precisa dialogar com as transformações tecnológicas, mas igualmente estimular o senso crítico e a cidadania. “Nenhuma instituição sozinha consegue dar conta dos desafios. É preciso construir redes, somar esforços e pensar a educação profissional como política de Estado, não apenas de governo”, defende.