Ana Beatriz Nogueira sobre desejo sexual: ''Não preciso escolher no cardápio''
Em entrevista ao videocast 'Conversa vai, conversa vem', atriz reflete sobre conquistas da maturidade
A atriz Ana Beatriz Nogueira contou que a maturidade expandiu seus horizontes em relação ao desejo sexual. Em entrevista à jornalista Maria Fortuna, no videocast ' Conversa vai, conversa vem', no ar no Youtube do GLOBO e no Spotify, a atriz de 58 anos afirmou não querer se enquadrar na caixa de heterossexual. Também revelou precisar dar um tempo entre uma relação e outra - assunto, aliás, sobre o qual sempre fez questão de manter discrição.
Em cartaz no Rio com o monólogo "A busca de uma dignidade", baseado em texto de Clarice Lispector, ela também refletiu sobre a importância de afirmar que é possível ser feliz consigo mesma numa sociedade que coloca a o relacionamento afetivo em primeiro lugar, principalmente na vida das mulheres. Leia trecho da entrevista:
Que mistérios traz Clarice nesse texto?
Essa hora da estrela que todos os textos dela têm. De turn point, de ruptura. E podemos passar por isso independente da idade cronológica. Estou com 58 anos e a personagem tem 70. A terceira idade de que Clarice fala é uma sensação. A personagem segue o protocolo da vida e acha que muita coisa acabou. Ao se perder no subterrâneo do Maracanã, naqueles corredores sem saída, ela se perde dentro dela, se desorienta. E dá de cara com o desejo que achou que tivesse acabado. Uma fome baixa mesmo. No momento que a coisa vem, vem demais. Tem idade para isso acontecer? Não tem. Eu não sei quando é que essa velhice. Que horas começa? Que horas que não pode mais?
O que ela sente é tesão?
Tesão. E ninguém avisou que até o fim podia ter desejo. Qual é o fim? Ela fala do desejo do homem velho, ainda perceptível. Mas a mulher já teria passado da época. Percebo é que há um momento em que o olhar do homem que você conhece a vida inteira...por exemplo, um amigo gato que que tem aquele olhar que você tá na pista pra ele... Por mais que sejam amigos, não está destituída, não virou o Zezinho, o Luizinho. A possibilidade de algo acontecer não deixou de existir. E tem uma hora que o olhar desse mesmo amigo, muda para você. E aí você percebe no olhar do homem que. É que você fala. Ele não me olha mais como ele me olhava. Virei café com leite. Então, eu acho que perceber esse olhar é quando você sente. E esse tempo passou pro outro. Porque pra mim, não. Entendeu. E o que acontece com a personagem. Ela diz pelo contrário.
Você sente isso? O texto dialoga com a sua vida?
Dialoga em várias coisas. Isso e perceber que um amigo com que já esteve numa noite de farra... Algumas vezes, e falei: "Puxa, virei café com leite para essa pessoa". Pena. Você quer dizer: "Oi, estou na pita?". Não é de propósito, seu amigo não está te olhando desse outro jeito para te magoar. Ele nem sabe. Mas você sente: 'mudou'.
E dói?
Dói, sim, um pouquinho. É perceber que o tempo passou para você pelo olhar do outro. Dá uma coisinha... Nem entro nesse departamento de ser ou não machismo. São cosas que eu percebo. Só posso falar por mim, não sei se acontece com todas as mulheres... Digo, esse olhar do homem da sua geração que normalmente, estão com mulheres mais jovens.
Mas você não jogou a toalha, né? Qual é o lugar do desejo sexual na sua vida?
Mas não jogo num grau! E, quando jogo, fico segurando a etiqueta para não cair totalmente. E falo peraí, vamos melhorar pegar a toalha de volta, sabe? E cada vez mais, com a idade, a liberdade que a gente adquire com a gente mesma. Toda questão está em tirar o outro um pouco da da história e se perguntar: "Sou livre o suficiente para me permitir viver outras coisas? Me permitir mudar de ideia? Ir para a direita ou esquerda? Não ter que escolher um cardápio em que preciso me identificar? Eu me permito e não quero nunca fechar uma porta. Até do que não conheço. A ideia deixa a a curiosidade mais livre, expande o olhar e não te assusta.
Você está falando de parceiros e parceiras?
Sim. Quando perguntam: "Você é hétero?". São umas perguntas antigas... Como fala agora o que a gente é? Tenho uma liberdade comigo mesma conquistada com o tempo. Não foi sempre assim. Mas hoje é uma delícia, porque não preciso escolher um dado desse cardápio. Sou livre o suficiente para me permitir e experimentar. São tantas opções, não era assim. Você pode conhecer uma mulher trans ou um homem trans e falar: "Gente!". Eu curiosa e interessada em saber também como o outro resolveu. E essa coisa de que poder econntrar no mesmo sexo, se apaixonar por uma mulher, é algo qu fui pensar bem mais tarde, atrasada. Mas o horizontes vão abrindo, por que não?
Sempre foi discreta nas relações. Proteger esse lugar é uma busca sua?
Proteger tudo que é intimo. Já tenho uma profissão em que me exponho e isso não quer dizer que preciso contar a minha vida. Nada contra. Mas não costumo fazer matérias de revista de celebridade. Não me identifico com essa palavra. Minha carreira pe de atriz. Gosto de contar certas coisas saborosas, outras são tão minhas... que não tenho vontade de dividir. Não tenho vontade de viajar para tirar foto. Prefiro comprar minha passagem sem ter que tirar nenhuma foto. Inclusive, quando viajo, esqueço de tirar foto. Porque estou olhando. Não me ocorre de pegar o celular porque perco o que está acontecendo.
Numa sociedade que coloca o relacionamento amoroso em primeiro lugar, principalmente na vida da mulher, qual a importância de se afirmar que é possível ser feliz com a gente mesma?
Ser feliz com a gente mesma, disso eu sou boa. Mas tive que amadurecer. Sou uma pessoa de muitos intervalos. Vejo que minhas amigas emendam mais as relações. Preciso de um tempo entre uma e outra Sempre que terminam uma relação perguntam: "Mas apareceu alguém?'. Não apareceu ninguém. E o outro tem muita dificuldade. Tipo: 'Como é que quer separar de mim pra ficar sozinha?". Sim, exatamente para isso.