Prestes a deixar presidência do STF, Barroso diz que fará 'reflexão profunda' sobre aposentadoria
Ministro diz que fará 'retiro espiritual' em outubro para definir seu futuro no Supremo, em meio a articulações sobre quem poderia sucedê-lo e efeitos nas eleições de 2026
Prestes a deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso afirmou em entrevistas que fará uma "reflexão profunda" antes de decidir se vai se aposentar antes da data-limite, em 2033.
Nesta segunda-feira, ele passará a liderança do Supremo a Edson Fachin e, no fim de outubro, passará por um "retiro espiritual", durante o qual deve bater o martelo sobre a continuidade no cargo.
Em entrevista à CNN, Barroso disse não "desconsiderar" a possibilidade de sair logo do Supremo, mas reforçou não ter "batido o martelo ainda".
À Folha de S. Paulo, ele disse que uma eventual saída do cargo é uma "possibilidade, mas não uma certeza". O ministro destacou que seus planos mudaram quando morreu sua mulher, Tereza, em 2023.
— Quando minha mulher estava viva, eu tinha esse compromisso com ela [de sair do STF depois que deixasse a presidência]. Ela já estava doente, mas a gente tinha a pretensão de passear um pouco, de ter uma vida mais leve. Essa motivação eu já não tenho mais. Então estou ainda verdadeiramente pensando no que fazer. Às vezes tenho a sensação de já ter cumprido o meu ciclo [no STF]. Às vezes penso que ainda poderia fazer mais coisas. Estou falando da forma mais franca possível, do fundo do meu coração — afirmou ele, à Folha.
Barroso reconheceu ter conversado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre sair do STF, mas destacou não ter se comprometido com a cessão da vaga antes de 2033 — cabe ao chefe do Planalto indicar o sucessor na Corte.
O ministro disse que a decisão sobre ficar ou não no Supremo não tem a ver com a possibilidade de ser incluído na Lei Magnitsky, como foi o colega Alexandre de Moraes, acusado pelos Estados Unidos de supostamente violar direitos humanos de personalidades públicas ligadas à direita, como o ex-presidente Jair Bolsonaro.
— Sair ou não do STF, hoje, tem mais a ver com a exposição pública pessoal, sobretudo dos meus filhos e das pessoas com quem me relaciono. Minha mulher sofria imensamente. A AGU [Advocacia-Geral da União] pagou honorários, como manda a lei, a mais de mil advogados da União. Mas a notícia é que a namorada do Barroso recebeu R$ 300 mil. Tudo isso chateia — disse Barroso.
O ministro destacou que não ter visto para os Estados Unidos é uma "chateação", já que mantém amizades e relações acadêmicas no país. Disse também que a aplicação da Lei Magnitsky é "muito irrazoável e injusta", na sua avaliação, embora Washington tenha "uma competência discricionária, de dizer quem pode visitá-lo e quem não pode". Ele relatou ter "preocupação" quanto a possíveis sanções financeiras, mas disse que não deixará de fazer "nada do que deve fazer".
— O que eu tinha que fazer [em relação ao julgamento de Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado e outros crimes] eu já fiz. Eu fui lá [no julgamento] e sentei do lado deles [ministros da Primeira Turma] porque achei que era o meu dever fazer — disse.
Barroso disse não ter "muitos medos nessa vida" e prometeu "lidar com a maturidade espiritual de quem faz a coisa certa", caso seja alvo de sanções dos EUA.
Uma possível saída antecipada de Barroso movimenta há semanas articulações envolvendo interesses do governo Lula, do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e de seus aliados em Minas Gerais.
Como informou a colunista do GLOBO Bela Megale, seja qual for a decisão do ministro do STF, haverá reflexos no cenário eleitoral mineiro de 2026.
Caso opte pela aposentadoria, Barroso abrirá uma vaga no Supremo, e a indicação do sucessor cabe a Lula. Entre os cotados para uma eventual vaga na corte despontam o advogado-geral da União, Jorge Messias; o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas; e o próprio presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo.
Mas o nome de Pacheco, que passou a ter maior proximidade com Lula desde a eleição do presidente e das ações envolvendo a defesa da democracia, passou a ganhar fôlego.
Nas últimas semanas, porém, Lula tem deixado claro que tem planos para Pacheco em 2026 na esfera eleitoral.
O senador é visto como a principal opção do presidente para a disputa ao governo de Minas Gerais. Lula considera importante ter um candidato competitivo em Minas que possa lhe dar um palanque forte, ajudá-lo a assegurar a reeleição e levar um nome ao Senado alinhado ao seu campo.
O senador mineiro também conta com a simpatia de ministros como Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, pela sua atuação em defesa do STF em meio a ataques da extrema direita e às eleições de 2022.
Há dúvidas no STF e no governo se o ministro optaria por esse plano diante das pressões de Donald Trump sobre os magistrados e o tribunal.
Isso, sobretudo depois de os EUA suspenderem os vistos de ministros do Supremo em reação à ordem para que Jair Bolsonaro usasse tornozeleira eletrônica — o ex-presidente teve a prisão domiciliar decretada, mais adiante, por descumprir medidas cautelares.
Na entrevista à CNN, Barroso classificou a ofensiva dos Estados Unidos contra ministros do STF como "injusta" e disse esperar que o cenário melhore ao fim do julgamento dos outros núcleos da trama golpista. Ele ressaltou os custos pessoais de integrar o Supremo em tempos de polarização política.
— Há um exemplo que gosto de dar. Eu fui à final da Copa do Mundo de 2014, com a minha mulher e meus dois filhos, fomos como qualquer família ao Maracanã. Depois, em 2016, eu fui à abertura das Olimpíadas, com o ministro Teori [Zavascki] e meu filho menor. E, hoje em dia, eu não posso sair na rua sem três seguranças. Essa foi a transformação, esse é o custo pessoal de um país em que alguma coisa aconteceu, que gerou muito ódio e muita raiva nas pessoas. Algum tipo de liderança política que trouxe essa consequência muito negativa de extrair o pior das pessoas em termos de violência, de intolerância, de agressividade. Essa é uma novidade que não havia no Brasil — destacou.
À CNN, Barroso ainda criticou como "retrocesso" o debate da PEC da Blindagem (derrubada pelo Senado, a proposta prevista que ações penais contra parlamentares fossem autorizadas pelo Congresso).
Ele também criticou o "timing" do debate sobre anistia, mas afirmou ser simpático a uma discussão sobre a redução de penas de condenados. Ele classificou a análise judicial da tentativa de golpe de 2022 como "um julgamento que encerrou os ciclos de atraso na história brasileira de golpes, contragolpes e tentativas de quebra da legalidade".
O ministro do STF destacou, ainda, que sua interlocução pessoal com a cúpula do Congresso é "a melhor possível" e considerou normal que parlamentares, por vezes, vocalizem algum "desagrado" contra ministro do Supremo.
— O arranjo institucional brasileiro reserva, para o Supremo Tribunal Federal, um papel de certo protagonismo em quase tudo que é importante. Não é um desejo do Supremo, mas é como a Constituição configurou sua atuação. A gente está decidindo sempre as questões mais divisivas da sociedade brasileira. Então a gente está sempre desagradando alguém. É normal que o Congresso vocalize esse desagrado — disse ele, à CNN.