Educação em tempos de transformações globais
A escola emerge como instituição vital
O mundo atravessa uma era de mudanças profundas. A geopolítica, antes marcada pelo domínio de poucas superpotências, dá lugar a um cenário multipolar, instável e incerto. O risco de conflitos armados, inclusive nucleares, volta a rondar o horizonte humano.
Ao mesmo tempo, assistimos a uma inversão demográfica: crescimento populacional no Oriente e envelhecimento no Ocidente. A democracia dá sinais de retração, a crise climática impõe urgência civilizatória e a inteligência artificial redesenha fronteiras do trabalho e da comunicação. Nesse turbilhão, a desigualdade social cresce como cicatriz de oportunidades mal distribuídas.
A escola emerge, assim, não apenas como espaço de transmissão de saberes, mas como instituição vital. A pandemia deixou claro esse papel: quando as salas se fecharam, não foi apenas a aprendizagem que se interrompeu, mas a própria engrenagem social que vacilou. Ficou evidente que a escola é rede de cuidado, nutrição, convivência e pertencimento. Agora, o desafio é maior: recuperar lacunas históricas de aprendizagem sem perder a urgência de uma formação integral, que una dimensões cognitivas, emocionais, sociais e espirituais.
O tempo presente exige que a educação vá além de preparar para o “século XXI”, expressão que já soa datada quando 25 anos desse século se passaram. A questão não é apenas formar para o futuro do trabalho ou para a inovação tecnológica, mas para a própria continuidade da vida no planeta.
Nessa encruzilhada, talvez já estejamos no fundo do “U” da Teoria U, de Otto Scharmer: o ponto em que velhos sistemas colapsam e é preciso mergulhar em um processo de escuta profunda e abertura de consciência para cocriar novos caminhos. A escola, nesse mergulho, precisa ser o laboratório da consciência coletiva que coopera, que reconhece interdependências e que ousa enxergar não apenas o futuro, mas a transformação radical do agora.
Paulo Freire já ensinava que a educação não se limita à leitura da palavra, mas deve possibilitar a leitura do mundo. Esse processo é o que desenvolve a autonomia: quando o estudante compreende a realidade ao seu redor, pode transformá-la. A pedagogia freireana nos lembra que formar cidadãos críticos é formar sujeitos capazes de agir, criar e reinventar a vida coletiva. Edgar Morin, por sua vez, insistia na necessidade de uma “cabeça bem-feita”, capaz de articular saberes dispersos e compreender a complexidade do mundo.
As tradições orientais, das filosofias às religiões, nos lembram que o autoconhecimento e a meditação não são práticas isoladas, mas caminhos para o fortalecimento do coletivo. Há, portanto, um fio invisível que conecta pedagogia crítica, pensamento complexo e espiritualidade profunda - todos convergindo para uma educação que forme cidadãos conscientes de si e responsáveis pelo comum.
Essa transformação, no entanto, é gigantesca. Não se trata apenas de rever currículos, metodologias ou tecnologias, mas de redefinir o próprio papel da escola no tecido social. É reconhecer que educar é cuidar do planeta, é preparar para a convivência em diversidade, é construir capacidades de cooperação, empatia e diálogo em escala inédita. É adotar um olhar sistêmico, compreendendo a educação como parte de um ecossistema mais amplo de políticas, culturas e práticas sociais.
Então como Simon Sinek fala dos “Jogos Infinitos”: aqueles em que não há vencedores ou vencidos, mas a continuidade e a melhoria constante da própria jornada. A educação, diante do cenário global, deve ser encarada assim: não como uma corrida de resultados imediatos, mas como uma trama infinita que sustenta o humano.
Talvez hoje vejamos avanços apenas em pontos dispersos do tabuleiro, uma escola inovadora aqui, uma política pública ousada ali, uma comunidade engajada acolá. Mas se mantivermos a direção e a consciência coletiva, será possível, no futuro, olhar para trás e perceber que esses pontos convergiram, delineando um caminho de avanço.