'Queremos um bom acordo com o Mercosul, que possamos apoiar', diz embaixador da França no Brasil
Em entrevista ao GLOBO, Emmanuel Lenain disse que 'não está no espírito da França' se abster na votação do acordo com o Mercosul no Conselho Europeu, como apontam especulações
A aprovação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia (UE) no Conselho Europeu estava prevista para o final de junho, e continua sem acontecer. Fontes da UE afirmaram ao GLOBO que a votação deve acontecer nas próximas semanas, mas não há uma data certa. Em meio a essa incerteza, existem especulações sobre a possibilidade de a França, um dos países que mais resistência mostrou ao entendimento - mas não o único -, se abstenha na votação.
Em entrevista realizada na embaixada da França em Brasília, o embaixador Emmanuel Lenain negou essa possibilidade, e disse que após a incorporação de salvaguardas ao acordo, a UE não deverá fazer novas demandas. "Queremos um bom acordo, que possamos apoiar. Após mais de 25 anos de discussões, não queremos apressar um mau acordo nem causar divisões na Europa. Queremos um consenso que agrade a todos e estamos muito perto disso", afirmou o embaixador francês.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Existe muita expectativa sobre a assinatura do acordo entre Mercosul e União Europeia. O entendimento ainda não foi votado no Conselho europeu, e uma das incógnitas é o voto da França. Qual é sua expectativa sobre essa votação?
Em primeiro lugar, somos muito favoráveis a um acordo, porque ele é muito importante. Estamos trabalhando com força para termos relações mais fortes entre a Europa e o Brasil, entre a França e o Brasil, entre a Europa e a América Latina, e entre a França e a América Latina. Temos promovido isso por muito tempo. O comércio é uma parte importante da relação. Atualmente, temos relações de negócios muito fortes, principalmente em matéria de investimentos. Somos o segundo maior investidor no Brasil, depois dos EUA. A França tem cerca de 1.500 empresas no Brasil, sendo o maior empregador estrangeiro no país, com mais de 600 mil trabalhadores, incluindo grandes empresas como Carrefour, que emprega cerca de 130 mil pessoas. Isso é importante, mas o que gostaríamos de alcançar agora é mais comércio. Portanto, é muito importante que possamos obter um acordo mais forte. Principalmente, quando países como os EUA estão fechando suas fronteiras, temos de criar novas oportunidades comerciais com regiões semelhantes. Queremos jogar conforme as regras e ter um comércio justo. Estamos alinhados em relação a isso. São negociações muito longas - mais de 25 anos [entre o Mercosul e a UE]. É algo importante, porque vamos criar a maior zona de livre comércio do mundo, com 700 milhões de pessoas, o que é enorme. Levou tempo porque, na Europa, especialmente na França, precisamos de um acordo que esteja em conformidade com nosso compromisso de combater as mudanças climáticas e respeitar a biodiversidade. Nossa população exige isso, porque impusemos regras rigorosas aos nossos produtores, agricultores e empresas. Eles não aceitariam ter que competir em condições desiguais com países que não cumprem o mesmo padrão.
Mas essa parte sobre clima já foi resolvida…
Isso foi resolvido, o que é um ponto importante. Outro ponto é que, ao fazer um acordo comercial assim, é muito benéfico para todos, mas alguns setores específicos precisam se adaptar. Se for aberto um grande fluxo [comercial] de uma vez, alguns setores importantes da economia poderiam ser destruídos, porque eles não têm tempo para se adaptar. Por isso se colocam salvaguardas temporárias. Por exemplo, o acordo tem salvaguardas para a indústria automotiva brasileira, que foi um pedido e foi aceito, e que protege esse setor. Da nossa parte, temos preocupações com setores como carne bovina e aves, principalmente em matéria de agricultura, e queremos garantir que esses setores não sejam prejudicados imediatamente no início, por isso queremos algumas salvaguardas. Mas não precisamos reabrir o texto negociado em Montevidéu [na cúpula da presidentes do Mercosul, realizada dezembro de 2024]. Esperamos que a Comissão Europeia continue implementando os pacotes conforme proposto e, se tudo estiver bem, porque não assinar logo? Não se trata apenas da França, muitos países europeus têm preocupações semelhantes, como Polônia e Irlanda. O processo de ratificação leva um tempo, inclusive no Brasil.
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Existe a possibilidade de a França se abster na votação ao invés de votar contra ou a favor?
Não, esse não é o espírito [da França]. Queremos um bom acordo, que possamos apoiar. Após mais de 25 anos de discussões, não queremos apressar um mau acordo nem causar divisões na Europa. Queremos um consenso que agrade a todos e estamos muito perto disso.
Algumas pessoas no Brasil não acreditam que esse acordo finalmente será assinado…
Não acredito que esse seja o espirito com o qual estamos trabalhando na Europa.
Lula quer que a assinatura do acordo seja anunciada na cúpula do Mercosul, em dezembro, provavelmente em Brasília. A expectativa da UE é a mesma?
Estamos tentando alcançar um acordo o mais rápido possível, mas queremos um bom acordo.
Com as salvaguardas será suficiente, ou a UE poderia fazer novas demandas?
Não acredito que haverá mais [demandas]. Já dissemos reiteradamente do que precisamos para apoiar o entendimento.
Brasil e França parecem estar num bom momento das relações bilaterais. Qual sua impressão desde que chegou, há cerca de um ano?
Temos ótimas relações. Há muita química entre os presidentes, em todos os níveis. Temos uma história compartilhada, estou impressionado com quantas pessoas gostam da cultura francesa e falam francês. Atualmente, há uma temporada da França no Brasil com mais de 300 eventos pelo país. Temos uma história rica e muitos interesses comuns. Por isso, cooperamos bastante. Trabalhamos juntos em tecnologia, submarinos, helicópteros, supercomputadores, e o Brasil valoriza nossa disposição para transferir tecnologia e formar parcerias reais para a produção local. Podemos colaborar em várias áreas, como IA e tecnologia.
A França terá uma presença importante na COP30?
O presidente Macron estará presente em Belém, e começamos a trabalhar nisso há muito tempo. Quando nosso presidente veio ao Brasil em março do ano passado, sua primeira visita foi a Belém, onde, junto com Lula, ambos lançaram um chamado por mais ambição nas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) e pela bioeconomia. Ambos prometeram investir 1 bilhão de euros na Amazônia para desenvolver a bioeconomia, e estamos no caminho certo. Uma COP no coração da floresta amazônica é um símbolo maravilhoso.
Quanto à apresentação das NDCs, a UE ainda não apresentou a sua. O fará antes da COP30?
Sim, certamente. A Europa sempre esteve em sintonia com o clima, e temos uma regulamentação alinhada com isso.