opinião

Dom Quixote e o Rotary

No dia 23 de outubro de 2025, o cavaleiro Dom Quixote de la Mancha fez-se presente, ao meio-dia, em uma reunião do Rotary Club do Recife (1930), no Salão Nobre do Clube Português, no Bairro das Graças, atendendo ao convite dos rotarianos Luciano Carvalho Junior e Marcelo Pires Ferreira (atual presidente da pioneira unidade).

Dom Quixote rapidamente sentiu-se à vontade no local, em virtude da recepção cordial que teve da parte dos membros do grupo rotariano e, ainda mais, ao constatar que os anfitriões se tratavam de verdadeiros cavaleiros, prontos a “sair mundo afora para fazer o bem, para fazer justiça” aos mais necessitados, conforme os princípios da cavalaria andante desde a época dos Templários.

Aberta a sessão da entidade benfeitora e observados os protocolos básicos, a palavra foi cedida ao cavaleiro manchego… Já conhecedor do lema da organização rotariana: “Unidos para fazer o bem”, Dom Quixote logo destacou que havia uma estreita relação desse lema com a sua missão professada e reforçou os ideais recíprocos citando um dos seus provérbios: “Um dos pecados que mais ofende a Deus é a ingratidão”. Em seguida, afirmou que saía em busca de aventuras “pelas quatro partes do mundo” porque este “precisava da força de seus braços para consertar o torto (o que estava errado), desfazer agravos, defender as viúvas, amparar as donzelas, socorrer os órfãos, castigar os soberbos e premiar os humildes”. Tudo em prol da humanidade. Em função dessa empreitada, confessou que tinha na “senhora dos seus pensamentos”, Dulcinea del Toboso, a inspiração motivadora e revigoradora de suas lutas.

Com o ambiente em sintonia, o colóquio quixotesco seguiu com outros interessantes assuntos, como o do “escrutínio e remessa à fogueira de livros da biblioteca” de Dom Quixote (por possíveis prejuízos ao próprio), objetos sobre os quais uma vez disse: os “livros são o regalo de minha alma e o entretenimento de minha vida”. Nesse caso, o Cavaleiro da Triste Figura explicou que a seleção analítica para o destino dos volumes, os salvos e os condenados, foi realizada pelos seus amigos do vilarejo em que viviam, o padre (Pero Pérez) e o barbeiro (mestre Nicolau), com a ajuda da sobrinha Antonia Quijana e da governanta da casa da sua fazenda.

…Por trás disso também havia o fantasma da “Santa Inquisição”.
Outro ponto foi a “aventura dos moinhos de vento”, o último tema da reunião, em que, na visão de Dom Quixote, as abas que moviam os moinhos eram “desaforados e ameaçadores gigantes”, sendo essa inimaginável “batalha” a maior e a mais iconográfica e conhecida metáfora da literatura universal, possuidora de variadas interpretações.

Essa histórica aventura, entre amizades, terminou em um cavaleiresco e animado almoço, com muitas trocas de ideias, em que o escudeiro Sancho Pança saberia desfrutar do seu jeito caso estivesse nele presente.
“Desocupado leitor”, como testemunha e cronista deste inédito encontro entre Dom Quixote e o Rotary Club do Recife, afirmo que ele assim aconteceu, “sem desviar um ponto da verdade”, e que ficará para sempre registrado nos anais do Recife e de La Mancha.


* Administrador de empresas (UFPE), da Asociación de Cervantistas (ES), da Asociación Internacional de Lectores y Coleccionistas de Don Quijote (MX) (f.dacal@hotmail.com).

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