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Tesouro vê risco de União aumentar dívida ao ter que socorrer Correios e outras 8 estatais em crise

Relatório aponta exposição do governo também em ações judiciais e inadimplência em programas

Tesouro Nacional - documento estima a possibilidade de um gasto de R$ 5,1 trilhões em "riscos fiscais" - Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Um relatório do Tesouro Nacional aponta risco de o governo aumentar a dívida pública se tiver que fazer aportes para salvar nove estatais, incluindo os Correios, que enfrentam dificuldades financeiras.

O documento estima a possibilidade de um gasto de R$ 5,1 trilhões em “riscos fiscais”, conceito que leva em consideração ações na Justiça e programas com alto índice de inadimplência, além do possível socorro a empresas públicas.

De acordo com o Tesouro, a exposição da União chegou a R$ 5,1 trilhões em 2024, o que representa uma queda de R$ 789,7 bilhões em comparação com 2023.

O documento, publicado anualmente, tem o objetivo de mostrar os fatores que podem afetar o equilíbrio das finanças públicas e identifica as hipóteses de gastos acima dos previstos no Orçamento.

Riscos fiscais
Os riscos fiscais são situações que podem aumentar as despesas do governo ou reduzir as receitas esperadas. Eles incluem:

ações judiciais conta a União;

garantias concedidas a estados e empresas públicas;

dívidas de difícil recuperação;

e programas que dependem de reembolso, como o Fies.

O relatório classifica esses riscos de acordo com a chance de o governo ter de desembolsar dinheiro para cobri-los: remoto, possível ou provável.

Estatais sob vigilância
O Tesouro monitora a situação de nove empresas estatais não financeiras que podem precisar de socorro do governo caso não consigam se sustentar financeiramente. Ao todo, h´´a 27 estatais federais. São elas:

Correios (ECT): Seguem em trajetória de deterioração nos resultados e podem precisar de auxílio financeiro. A empresa registrou um prejuízo acumulado de R$ 4,3 bilhões em 2025. Só no segundo trimestre, entre abril e junho, foram R$ 2,6 bilhões, passivo quase cinco vezes superior ao do período equivalente do ano anterior, de R$ 553,1 milhões. Para tentar fôlego financeiro, os Correios negociam um empréstimo de R$ 20 bilhões

Casa da Moeda do Brasil (CMB): Registrou queda de 74% no lucro líquido em 2024 e apresentou resultado operacional negativo, embora mantenha liquidez para cobrir passivos.

Companhia Docas do Ceará (CDC): Risco de dificuldades de caixa.

Companhia Docas do Pará (CDP): Risco de dificuldades de caixa.

Companhia Docas do Estado da Bahia (Codeba): Risco de dificuldades de caixa.

Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ): Risco de dificuldades de caixa.

Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern): Enfrenta risco de deterioração financeira, principalmente por causa de arrendamentos, necessidade de investimentos, e a possível desvinculação do Porto de Maceió, responsável por 72% de sua receita líquida em 2024.

Infraero: Teve prejuízo de R$ 228,7 milhões e queda de 71% na receita líquida em 2024, impactada pela concessão de aeroportos, e está elaborando novo plano de negócios.

ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional): Está exposta ao risco de aporte emergencial por causa da Eletronuclear, que demanda altos investimentos para Angra 1 e tem conclusão incerta de Angra 3.

Segundo o relatório, se essas empresas não conseguirem gerar caixa suficiente, o governo pode ser obrigado a injetar dinheiro público para garantir a continuidade dos serviços — o que aumentaria os gastos e, consequentemente, a dívida pública.

Dívida pública em trajetória de alta
O relatório mostra que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) — que inclui União, estados e municípios — deve chegar a 79% do PIB ao final de 2025. Isso significa que, para cada R$ 100 que o país produz, R$ 79 estarão comprometidos com dívidas do governo.

A expectativa é que ela continue crescendo até 84,2% em 2028, com uma leve queda só a partir de 2029.

Em um cenário mais pessimista, com juros altos e baixo crescimento econômico, a dívida pode chegar a 97,8% do PIB até 2035.

Risco das demandas judiciais
Um dos principais riscos apontados pelo Tesouro vem das ações judiciais contra a União, conhecidas como passivos contingentes. Em junho de 2025, o total dessas ações chegou a R$ 2,6 trilhões, o equivalente a cerca de um quarto de tudo o que o país produz em um ano.

Desse total, R$ 593 bilhões são considerados perdas prováveis — ou seja, já alta chance de que o governo precise pagar — e R$ 2 trilhões estão na categoria de risco possível, com chance moderada de perda.

Essas ações envolvem principalmente a administração direta: ministérios e órgãos do governo federal. Nos últimos três anos, elas superaram as disputas tributárias como a principal fonte de risco.

O pagamento desses processos costuma acontecer por meio de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs). Em 2023, os gastos com esse tipo de despesa chegaram a R$ 151,9 bilhões e a previsão para este ano é de R$ 106,2 bilhões — o que representa 4,4% de todos os gastos primários do governo.

Alta inadimplência no Fies
Outro ponto de atenção é o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa que oferece crédito a estudantes para cursas o ensino superior. O Tesouro aponta que 73% dos contratos antigos estão em atraso.

O saldo devedor total dos contratos firmados até 2017 chega a R$ 90,8 bilhões, dos quais R$ 66,2 bilhões correspondem ao saldo devedor integral. A maior parte dessa dívida está parada há mais de um ano.

Segundo o relatório, a perda esperada com esses contratos é de R$ 53,8 bilhões. Embora parte do valor seja coberto por garantir como o Fundo de Garantia de Operações do Crédito Educativo (FGEDUC), a inadimplência ainda representa um risco elevado para as contas públicas.

O Novo Fies, criado em 2018, reduziu parte desse risco ao dividir as perdas com as instituições de ensino, mas o impacto dos contratos antigos ainda pesa nas finanças da União.

Envelhecimento e clima entram no radar fiscal
Além dos riscos econômicos imediatos, o relatório chama atenção para ameaças de longo prazo, como o envelhecimento da população e as mudanças climáticas.

Com o envelhecimento da população, o governo prevê um aumento de R$ 16,3 bilhões nas despesas com saúde até 2035. Por outro lado, os gastos com educação devem cair R$ 3,3 bilhões, já que o número de jovens tende a diminuir.

No campo ambiental, o governo gasta entre 0,01% e 0,06% do PIB por ano com ações de prevenção e resposta a desastres naturais — valor que deve crescer diante do aumento da frequência de eventos climáticos extremos.