Hiperinflação na Venezuela... outra vez?
A inflação na Venezuela atingiu 130.000% ao ano em 2018, o ápice de um período hiperinflacionário de quatro anos que terminou em 2021. O Banco Central não publica o indicador desde outubro de 2024
Uma sacola com o essencial, a compra do dia: o bolso dos venezuelanos fica curto diante de um aumento esmagador dos preços que anunciam o que para muitos especialistas é inevitável, o retorno da hiperinflação.
A inflação na Venezuela atingiu 130.000% ao ano em 2018, o ápice de um período hiperinflacionário de quatro anos que terminou em 2021.
No ano passado foi de 48%, segundo o presidente de esquerda Nicolás Maduro. O Banco Central não publica o indicador desde outubro de 2024.
O FMI projeta um aumento de preços de 548% para este ano e 629% para 2026. Outros economistas apontam para um aumento até acima de 800%.
Jacinto Moreno vive isso na prática. "Se ganhamos 20 bolívares, gastamos 50", resume este comerciante informal à AFP no centro de Caracas. "Os preços sobem todos os dias".
Maduro se orgulha de sua gestão da economia, que afirma estar sob cerco dos Estados Unidos entre sanções econômicas e agora uma mobilização militar no Caribe que denuncia como uma ameaça de derrubada e uma tentativa de se apoderar das riquezas petrolíferas da Venezuela.
Projeta um crescimento do PIB superior a 9% em 2025. O FMI estima 0,5% e alguns analistas 3%.
"Não dá para comprar"
Norma Guzmán sai da loja com três tomates em uma sacola.
"Faço as compras no mercado diariamente porque não dá para comprar", diz esta dona de casa.
O economista Oscar Torrealba projeta uma inflação de 811% para 2025. "Isso indiscutivelmente nos aproxima muito de um cenário hiperinflacionário", aponta.
"Para poder considerar hiperinflação em um país, deve haver variações (de preços) acima de 50% ao mês durante três períodos (meses) consecutivos", explica este analista baseado na Colômbia.
Outros especialistas apontam que uma inflação interanual de 500% já é considerada hiper, sobretudo porque no mundo o indicador é baixo. É uma teoria que desloca a definição de meados do século XX de 50% ao mês por um ano.
Poucos economistas que vivem na Venezuela se atrevem a desafiar em público o discurso oficial, depois que no meio do ano foram detidos vários profissionais, incluindo um ex-ministro das Finanças.
As prisões nunca foram anunciadas oficialmente, mas coincidiram com uma série de operações policiais contra a divulgação do preço do dólar paralelo em páginas que foram eliminadas.
A referência ficou então ao livre-arbítrio do cambista ou em criptomoedas.
"Mais acelerado"
Não há escassez na Venezuela, ao contrário dos anos de crise profunda, quando as pessoas ficavam horas na fila para comprar meio quilo de café ou açúcar.
Maduro abordou então a situação com mais disciplina fiscal, parou a emissão de moeda, relaxou controles e despenalizou o uso do dólar, que passou a ser a moeda de fato. De fato, a Venezuela reporta uma inflação em dólares, que Torrealba situou em outubro em quase 80% ao ano.
O dólar é, de fato, a chave deste novo cenário inflacionário em um momento econômico com pouco espaço para ação.
Um dos principais fornecedores de divisas ao sistema era a petroleira Chevron, que agora opera de forma limitada e paga royalties ao Estado em petróleo e não em dinheiro como antes.
A Venezuela vende esse petróleo no mercado ilegal com grandes descontos.
Agora, com menos dólares no mercado, disparou uma diferença cambial que chegou a superar 60% entre a cotação oficial e a paralela.
Ao longo do ano, a cotação do dólar disparou quase 400%.
"Isso é repassado para a inflação", explica Juan Carlos Valdez, professor de Economia Política e deputado eleito pelo oficialismo. Só que a inflação sobe em um ritmo "mais acelerado que o movimento da taxa de câmbio" pelos ajustes que fazem os comerciantes para se protegerem, argumenta.
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