OPINIÃO

O futuro político do Brasil passa pela disputa da juventude

Entre o pragmatismo e a descrença, jovens priorizam estabilidade, rejeitam rótulos e colocam a esquerda diante de um desafio de reposicionamento político e comunicacional. Dados recentes do estudo “Juventudes: Um Desafio Pendente”, elaborado pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), lançam um alerta para o campo progressista: apenas 18% dos jovens brasileiros se identificam com a esquerda, enquanto 38% se colocam à direita e a maioria, 44%, prefere o centro.

O dado é mais do que uma fotografia estatística, é um retrato simbólico da crise de conexão entre a juventude e os personagens da esquerda brasileira. Porém, segundo o estudo, “o que emerge, em vez de um deslocamento ideológico linear entre esquerda e direita, é uma juventude marcada por contradições, disputas simbólicas e reinvenções políticas”. Mesmo entre aqueles que defendem pautas progressistas, como o papel do Estado na garantia de direitos sociais ou a liberdade de orientação sexual, há uma rejeição crescente à identidade “de esquerda”. O campo progressista, portanto, enfrenta o desafio de se reconectar com uma geração que compartilha parte de suas causas, mas não reconhece mais suas bandeiras.

Uma geração pragmática, desconfiada e digital
A nova juventude brasileira vive uma contradição: valoriza a democracia (66%), mas desconfia das instituições que a sustentam. Quase metade acredita que a democracia pode funcionar sem partidos políticos e 58% preferem líderes fortes a sistemas institucionais. É uma geração que rejeita o autoritarismo militar, mas busca ordem e eficiência. O que explica parte da simpatia

por discursos de direita que prometem soluções rápidas e gestão eficiente.
Nas redes sociais, onde essa geração forma suas percepções políticas, o engajamento é intenso, mas raso. O comportamento predominante é o da reação, não da ação: curtir, compartilhar, comentar. As redes consolidaram-se como o espaço onde a política é percebida, mas não necessariamente vivida. É ali que se definem os pertencimentos e se moldam as lideranças emergentes, muitas vezes mais influenciadores do que políticos.

O vazio de lideranças e a crise de linguagem
A esquerda, historicamente associada à organização e à militância presencial, ainda não encontrou uma narrativa capaz de disputar corações e mentes nesse novo ambiente. As referências simbólicas de engajamento político migraram da rua para a tela, e nesse terreno digital o campo progressista tem demonstrado atraso. O problema não é apenas de comunicação, mas de representatividade. Falta à esquerda brasileira rostos geracionais que traduzam seus valores em linguagem contemporânea, sem a liturgia partidária e o vocabulário desgastado do século XX. Os jovens se mobilizam por causas, meio ambiente, direitos civis, inovação, oportunidades, mas não necessariamente por partidos. Essa dissonância explica por que, mesmo entre aqueles que defendem políticas redistributivas, há resistência em se declarar de esquerda.

A pesquisa da FES também revela que, embora os jovens defendam o papel do Estado em garantir educação e saúde gratuitas (86%) e até apoiem a taxação de grandes fortunas (60%), eles se mostram mais conservadores em temas de costumes, como a legalização do aborto, apoiada por apenas 33%. Esse contraste reflete uma nova síntese moral e política que não cabe nas antigas categorias de direita e esquerda. Essa juventude quer liberdade, mas também estabilidade. Quer diversidade, mas teme o caos. Quer participação, mas não quer se filiar. É uma geração que expressa seu engajamento de modo difuso, individualizado e instantâneo, e isso impõe um desafio inédito à esquerda, que sempre se organizou a partir da coletividade e da disciplina ideológica.

O caminho da renovação
Para reconquistar a juventude, o campo progressista precisa reorganizar sua narrativa, incentivar novas lideranças e investir em novos formatos e novas formas de escuta. Isso implica em reconhecer que a disputa não é apenas eleitoral, mas simbólica e emocional. As plataformas digitais forjam identidades políticas hoje, e é lá que a esquerda precisa voltar a ser atraente, não moralmente superior. A juventude brasileira não é apática, ela está em movimento e não no mesmo compasso dos partidos. Entender essa diferença é a primeira tarefa de quem pretende disputar o futuro.