Saúde mental: caminhos para o equilíbrio
O debate sobre saúde mental ganhou espaço na pandemia, com a percepção de que o sofrimento psíquico afeta a capacidade de viver, amar e trabalhar
Em um mundo cada vez mais acelerado, hiperconectado e exigente, a saúde mental passou de tema marginalizado a preocupação central da sociedade contemporânea. Mas, apesar da visibilidade crescente, ainda há muitas dúvidas sobre as origens, impactos e soluções para os transtornos mentais.
Ritmo de trabalho, caos no trânsito, uso constante de telas, redes sociais, cenário econômico e político. Aquilo que chamamos de “vida normal” pode levar ao adoecimento mental silencioso. E não é exagero.
Os sintomas estão por toda parte, seja nas crises de ansiedade, em quadros de depressão ou no esgotamento profissional. É o que explica o médico psiquiatra Vitor Hugo Stangler, do Hospital Jayme da Fonte.
“Os transtornos psiquiátricos, em geral, são multifatoriais. Eles têm origem genética, sim, mas também envolvem fatores ambientais e psicológicos, como ambientes estressantes, privação de sono, luto e traumas na infância”, explica o médico.
Psicóloga, especialista em perdas, lutos e manejo da saúde mental no ambiente organizacional, Mariana Clark destaca que aspectos sociais, econômicos e políticos afetam o bem-estar da sociedade.
“Temos uma estrutura que não nos oferece, do ponto de vista social, econômico, educacional, de saúde, de segurança, aquilo que a OMS conceitua sobre saúde mental, que é um estado de bem-estar”, afirma a profissional.
O psicanalista, professor de psicanálise e psicopatologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Christian Dunker, pontua que alguns transtornos não surgem do nada. Entrelaçam-se com vidas marcadas por perda, violência e exclusão.
“Situações de racismo, de bullying, de assédio moral e sexual são muito favoráveis para o desencadeamento e a formação de transtornos mentais”, destaca o especialista.
Em todo o mundo, mais de 1 bilhão de pessoas vivem com algum problema de saúde mental. As mulheres são globalmente as mais afetadas - 14,8% de toda a população feminina, contra 13% dos homens.
Os dados integram o relatório “World Mental Health Today”, divulgado em setembro de 2025 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir de levantamentos de 2021.
Ansiedade (4,4%) e depressão (4%) são os transtornos mentais mais prevalentes. O documento aponta que 359 milhões de pessoas no mundo convivem com ansiedade e outras 332 milhões, com depressão.
Pandemia
Na pandemia da Covid-19, os sofrimentos se multiplicaram, e o debate sobre saúde mental começou a receber mais foco com a percepção coletiva de que o sofrimento psíquico afeta diretamente a capacidade de viver, amar e trabalhar.
“Vimos crescimento de casos de transtornos obsessivo-compulsivos, ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e burnout, especialmente entre profissionais da linha de frente”, relata o psiquiatra Vitor Hugo Stangler.
Para o psicanalista Christian Dunker, a pandemia agravou quadros pré-existentes. “Depressivos ficaram mais deprimidos, ansiosos ficaram mais ansiosos, e isso em escala alarmante”, aponta.
Hiperconectividade
Entre os vilões do bem-estar mental contemporâneo está a hiperconectividade. O Brasil é um dos países que mais usa redes sociais no mundo. Essa conexão constante tem um preço alto.
“Nos alimentamos de um conteúdo que, na maioria das vezes, não é nutritivo do ponto de vista existencial. A gente se compara e isso leva a sentimentos de raiva, impotência, baixa autoestima e tristeza”, alerta Mariana Clark.
O psicanalista Christian Dunker destaca que o excesso do uso de telas se tornou um elemento corrosivo da saúde mental contemporânea.
“Estudos mostram que o excesso de telas piora a saúde mental. E quando isso se junta às práticas neoliberais de produtividade infinita, temos um ataque pelas duas pontas: mais exigência emocional e menos espaços de restauração”, explica Dunker.
Burnout
Resultado das pressões do ambiente de trabalho, o burnout está entre os transtornos mais prevalentes na atualidade e associado ao excesso de demandas e à hiperconectividade, segundo afirma o psiquiatra Vitor Hugo Stangler.
“As pessoas levam pendências para casa, recebem mensagens fora do horário de trabalho e vivem sob alta pressão, sem espaço para descanso ou prazer”, analisa.
O psicanalista Christian Dunker destaca a importância da NR-1 no ambiente corporativo. A norma regulamentadora de segurança e saúde no trabalho estabelece diretrizes gerais para o gerenciamento de riscos ocupacionais.
No ambiente profissional, o estigma ainda é um grande obstáculo. A alta cobrança por performance e positividade é, segundo a psicóloga Mariana Clark, incompatível com a condição humana.
“Vivemos em uma sociedade que exige felicidade o tempo todo. Isso gera isolamento, inadequação e solidão para quem está passando por dor”, afirma Mariana. Responsabilidade compartilhada entre indivíduo e organizações é o caminho.
“Promover apoio psicológico, flexibilização das jornadas de trabalho, ter espaços de escuta e descanso favorecem um ambiente mais saudável”, destaca a psicóloga, neuropsicóloga, mestre, doutora e pós-doutora em Psicologia, Pompéia Villachan Lyra.
O sofrimento mental se manifesta de formas variadas, afetando o trabalho, os relacionamentos e o próprio senso de vida. Pompéia Villachan Lyra destaca os principais sinais de alerta:
“Alterações no sono e no apetite, irritabilidade constante, isolamento social, fadiga sem causa física e perda de interesse em atividades. Se acontecem com mais frequência, são sinais de alerta”, aponta a psicóloga.
Prevenção
Para mitigar os efeitos negativos da vida cotidiana, seja na escola, faculdade, trabalho e relacionamento, a psicóloga Mariana Clark aponta o ato de auto-observação.
“É um processo de autocuidado, onde mergulhamos dentro da gente para entender quais são os nossos ruídos, barulhos, identificar gatilhos, para que possamos falar com mais clareza sobre nossos limites”, avalia Clark.
O relatório “World Mental Health Today” destaca que, em 2021, cerca de 727 mil pessoas perderam suas vidas por suicídio. Mais da metade (56%) dos casos aconteceram antes dos 50 anos.
O psicanalista Christian Dunker faz um chamado à atenção e ao acolhimento, e aponta caminhos para viver com mais leveza, evitar práticas de autossabotagem e, sobretudo, pedir ajuda.
Já o psiquiatra Vitor Hugo aponta que mitigar os efeitos da rotina na saúde mental exige responsabilidades do poder público, empresas e de cada indivíduo.
“O papel do Estado vai além do tratamento. Deve haver prevenção, com políticas públicas voltadas para sono adequado, atividade física, alimentação e educação emocional nas escolas”, defende o psiquiatra.
A psicóloga Pompéia Villachan Lyra reforça que o processo de busca por bem-estar envolve escuta profissional, autoconhecimento, autocuidado e, em alguns casos, medicamentos.
“O espaço de psicoterapia pode ajudar a fazer escolhas mais acertadas em busca da qualidade de vida, da saúde mental, do bem-estar”, afirma a psicóloga.
O psiquiatra Vitor Hugo alerta sobre o crescente uso da inteligência artificial (IA) para suplementar serviços de psicoterapia.
“A IA não substitui o processo terapêutico. Pode até ajudar no aconselhamento ou na sistematização de tarefas, mas não é substituta da escuta qualificada de um terapeuta”, destaca Vitor Hugo.