O segundo cérebro: as conexões entre o intestino e a saúde plena
O intestino só realiza o processo digestivo devido a orientações nervosas que exigem um altíssimo grau de complexidade. Atua também como uma barreira funcional de proteção
Um dos órgãos mais complexos do corpo humano, que cumpre diversas funções importantes, desde o processo digestivo, passando pela produção hormonal e também atuando no sistema imunológico, o intestino é peça fundamental no funcionamento de todo o organismo, inclusive, possuindo relação direta com nossa saúde mental.
Diante de tantas atribuições, fica claro que ter um intestino saudável é um fator fundamental para o bem-estar e o cuidado integral da saúde. Para ser possível compreender toda sua totalidade, é necessário destrinchar sua composição interna.
Os seres humanos cresceram em íntima associação com micro-organismos, sejam bactérias, fungos ou vírus. Esse conjunto, chamado de microbiota, pode habitar em todo o corpo humano, incluindo o sistema digestório.
Composição
A microbiota intestinal é a maior concentração desses microorganismos no corpo, com um número de células equivalente ao total das células humanas e com mais de 230 milhões de genes. Aliás, todos os indivíduos possuem uma combinação única e particular de micróbios no intestino, assim como as impressões digitais.
A função primária desse órgão é absorver nutrientes para que o organismo possa produzir energia. Esse processo basicamente acontece ao longo dos seis metros do intestino delgado, enquanto o intestino grosso, com um metro e meio, fica com a responsabilidade de absorver a maior parte de água.
Quando o intestino funciona de maneira ideal, os alimentos percorrem todo o sistema gastrointestinal dentro de uma velocidade metabólica ideal. Este processo depende de diversos fatores, podendo levar de 12 a 72 horas.
Conexões
Para que todo esse processo digestivo seja propriamente realizado, o tubo digestivo precisa ser contraído, sendo necessários impulsos nervosos com suas origens em neurônios.
É por isso que o intestino é altamente inervado e possui uma quantidade estimada de até 500 milhões de neurônios, que compreendem o sistema nervoso entérico. Por essa particularidade, o intestino é conhecido como o “segundo cérebro”.
O médico gastroenterologista Gustavo Lima, que atua no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), ressalta que o processo digestivo só é possível devido a orientações nervosas que exigem um altíssimo grau de complexidade.
“Para coordenarmos todo esse processo, que é muito complexo, é preciso ter uma forte orientação com o sistema nervoso, e o intestino tem 500 milhões de neurônios. Ou seja, depois do cérebro, o intestino e a medula são onde encontramos mais neurônios”, diz.
A comunicação entre o intestino, incluindo microbiota, e a porção do sistema nervoso central é realizada a partir do eixo intestino-cérebro. A relação entre os dois funciona como uma via de mão dupla.
Imunidade
Do ponto de vista funcional, o intestino também atua como um “muro de contenção”, que busca controlar o que entra no organismo. A parede intestinal é composta por múltiplas células que formam uma barreira funcional de proteção.
Cerca de 70% a 80% das células imunológicas do corpo estão no intestino. Uma série de moléculas é produzida pelas bactérias presentes lá, incluindo neurotransmissores, que estão envolvidos em diversos processos imunológicos.
Conforme explica a nutricionista Clarissa Barreto, o sistema intestinal atua como se fosse um “segurança à frente de uma festa”, selecionando micro-organismos “bons” ou “ruins”, separando o que será permitido entrar daquilo que será barrado.
“Essa barreira física é formada por vilosidades. A questão é sobre o que vai ser permitido entrar na corrente sanguínea ou não, isso é o que importa”, explica a nutricionista.
Clarissa alerta para a necessidade de ter hábitos saudáveis que sejam constantes, principalmente, do ponto de vista da alimentação. Dietas inflamatórias podem levar ao que é chamado de aumento da permeabilidade intestinal, alterando a composição da flora intestinal e fragilizando as barreiras.
“Quando estamos em um processo inflamatório, ficamos com o intestino desregulado, então essas vilosidades se abrem, ficam vulneráveis, essa barreira tem uma certa quebra. A partir daí, não tem como ter esse controle de quem vai entrar e quem não vai. Portanto, ficamos muito suscetíveis à entrada de vírus, fungos, partes de bactérias que não são boas e que podem gerar problemas”, diz Clarissa Barreto.
Cuidados
Ainda sobre processos inflamatórios do intestino, os efeitos mais associados a essa condição estão relacionados a desconfortos intestinais, como estufamento, excesso de gases ou azia. Contudo, as consequências podem ir muito além disso.
Retomando o conceito de “segundo cérebro”, a saúde mental também pode ser atingida por problemas de ordem intestinal, e vice-versa, por se tratar de uma via de mão dupla.
O médico Gustavo Lima elenca alguns exemplos de doenças inflamatórias que podem resultar em alterações psicológicas, ansiedade e depressão em pacientes, citando a doença de Crohn, retocolite ulcerativa e síndrome do intestino irritável.
Lembrando que desequilíbrios no eixo intestino-cérebro também estão ligados à diarreia, constipação, estresse crônico, obesidade e intolerâncias alimentares. Esses problemas também podem contribuir para uma percepção elevada de dores e levar a alterações nas células dos sistemas neuroendócrinos.
O especialista ainda utilizou um dito popular para estabelecer a conexão entre saúde intestinal e demais questões psicológicas, comprovando que essa relação é bem percebida entre as pessoas.
“Isso já existe até no linguajar popular, quando você diz que a pessoa está enfezada, ou seja, a pessoa está com raiva, nervosa. Esse enfezado quer dizer cheio de fezes, porque quando a pessoa fica assim, ela começa a ficar irritada. Isso já existia até na cultura popular”, diz Gustavo Lima.
Mas quando são estabelecidas boas práticas para a saúde do intestino, os benefícios podem ser percebidos no bem-estar e no comportamento das pessoas. A explicação passa pelas questões hormonais.
Mais de 90% da nossa serotonina, o “hormônio da felicidade”, é sintetizado no nível intestinal. Para isso, precisamos de uma substância chamada triptofano, um aminoácido essencial para que o corpo produza serotonina, contudo, essa produção depende muito de uma boa alimentação.
Conforme alertam os especialistas, o principal fator na saúde do intestino é a dieta. A estratégia é simples: evitar o consumo em excesso de comidas ultraprocessadas, fast foods e embutidos e dar preferência a uma dieta rica em alimentos naturais, uma alimentação rica em frutas, vegetais, fibras, proteínas de boa qualidade, magras de preferência, e cereais integrais.
Praticar exercícios físicos e ter uma boa higiene do sono também são fatores importantes. Em resumo, é necessário estabelecer um estilo de vida regrado.