Reforma da Previdência

Ações que contestam Reforma da Previdência de 2019 voltam a ser julgadas pelo STF nesta semana

Processos questionam a constitucionalidade de alguns pontos do texto promulgado há seis anos, que afetam tanto servidores públicos quanto trabalhadores da iniciativa privada

Ações que contestam Reforma da Previdência de 2019 voltam a ser julgadas pelo STF nesta semana - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil/Arquivo

O julgamento de 13 Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que contestam pontos da Emenda Constitucional 103 — a chamada Reforma da Previdência de 2019 — será retomado pelo Supremo Tribunal Federal ( STF) nesta semana. Na prática, esses processos — alguns até tratam do mesmo assunto — questionam a constitucionalidade de aspectos do texto promulgado há seis anos, que afetam tanto servidores públicos quanto trabalhadores da iniciativa privada.

Entre os pontos mais controversos está a cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas do setor público (o que não existe no setor privado).

Questiona-se ainda a mudança no cálculo do benefício por incapacidade permanente — a antiga aposentadoria por invalidez — que sofreu uma redução com a reforma.

Outro tema polêmico é o fato de que o cálculo dos benefícios agora considera 60% da média salarial + 2% a cada ano a mais de contribuição. Mas criou-se uma distinção entre trabalhadoras da iniciativa privada e servidoras públicas. É essa diferença entre mulheres dos regimes (setores privado e público) que está sendo contestada no Supremo.

Entenda a seguir o que está em discussão:

Aposentadoria especial
Um dos questionados feito proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI ), em 2020, acontece sobre a aposentadoria especial.

Antes da reforma de 2019, quem trabalhava em atividade prejudicial à saúde não tinha idade mínima para se aposentar. Era possível pedir o benefício desde que se comprovasse apenas 15, 20 ou 25 anos de exposição a risco para a saúde ou a integridade física. O tempo necessário de trabalho sob risco variava conforme o grau de exposição (alto, moderado ou leve).

Para calcular o benefício, era simples: pegava-se a média dos salários de contribuição do trabalhador. Encontrado o resultado, pagava-se 100% dele.

Além disso, quem trabalhava um tempo sob risco podia pedir a conversão do tempo especial em comum. Isso ajudava trabalhadores a completar mais cedo os requisitos para aposentadoria por tempo de contribuição. Esse mecanismo, porém, passou a ser proibido com a reforma de 2019.

Para piorar a situação, o cálculo do benefício passou a ser de 60% da média dos salários de contribuição mais 2% a cada ano que exceder 15 anos de contribuição (mulher) e 20 anos (homem). Na prática, a grande maioria não atinge mais um benefício de 100%.

— Há estudos que apontam que a conversão da aposentadoria especial em tempo de contribuição comum gera um impacto inferior a 1% em todos os benefícios concedidos pelo INSS — argumenta Gisele Seolin, advogada especializa em Direito Previdenciário. Ainda assim, foi um direito extinto.

Com a nova regra para aposentadoria especial, também passou-se a exigir idade mínima a quem começou a contribuir após 13 de novembro de 2019 — data da reforma — conforme cada faixa de exposição:

Mas Nazário Nicolau Maio, advogado e mestre em Direito Previdenciário, aponta que a exigência de idade mínima é incompatível com a aposentadoria especial:

— A ideia sempre foi permitir a saída antecipada dessas atividades para reduzir os riscos à saúde. Um mineiro que atua em ambiente subterrâneo, por exemplo, começa muito jovem em uma função que exige intenso esforço físico e o expõe diariamente a poeira, ruído, metais pesados e risco de desabamento. Manter esse trabalhador por mais tempo nessas condições apenas para cumprir uma idade mínima aumenta significativamente os danos à saúde.

Até o momento, o julgamento no STF está empatado: os ministros Luís Roberto Barroso (relator) e Gilmar Mendes votaram contra o restabelecimento das regras antigas, afirmando que alterar novamente a legislação poderia comprometer o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência.

Já os ministros Edson Fachin e Rosa Weber votaram pela inconstitucionalidade das mudanças feitas em 2019 e pela volta do modelo anterior, sob o argumento de que a aposentadoria especial é uma garantia fundamental para a proteção da saúde de trabalhadores expostos a agentes nocivos. O processo está parado após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

Caso o Supremo restabeleça o modelo antigo, segurados poderiam pedir revisão dos valores pagos nesse período abaixo do que o aposentado tinha direito de receber pelas regras antigas.

— A revisão dos valores, a priori, é um direito do segurado. Mas, se o Supremo modular a decisão, a regra passará a valer apenas a partir da data do julgamento, sem garantir direito à revisão retroativa — aponta o advogado Nazário Nicolau Maio.

Aposentadoria por invalidez
O cálculo do benefício por incapacidade (antiga aposentadoria por invalidez) mudou com a reforma. Antes, consideravam-se as 80% maiores contribuições desde julho de 1994, descartando-se as 20% menores. A reforma passou a considerar 100% desses recolhimentos para achar uma média dos salários de contribuição. Até aí, tudo bem, isso passou a valer para quase todos os benefícios.

Mas, em 2019, o cálculo sofreu outra mudança: uma vez encontrada essa média de contribuições, passou-se a considerar 60% dela, mais 2% por ano que exceder 15 anos de contribuição para mulheres e 20 anos para homens (no caso do INSS).

Exemplo:
Considere, por exemplo, o caso de um homem que trabalhou 30 anos. Na hora de calcular sua aposentadoria por invalidez hoje, o INSS vai considerar 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder 20 anos de recolhimento.

Se ele trabalhou por 30 anos, terá 60% da média mais 20% (isto é, 2% para cada um dos 10 anos que excederam os 20 de contribuição). Se a média encontrada foi de R$ 4 mil, ele vai receber 80% disso (60% + 20%), ou seja, R$ 3.200. E não mais 100% (como era antes).

Para piorar, com o novo cálculo, muita gente passou a receber de aposentadoria por invalidez menor do que recebia de auxílio-doença. Esse benefício temporário não mudou com a reforma: continua sendo de 91% da média das últimas 12 contribuições.

O julgamento está majoritariamente favorável à manutenção das regras atuais. Para os ministros, é constitucional reduzir valores para preservar o equilíbrio financeiro da Previdência e garantir o pagamento dos benefícios no futuro.

No STF, o único voto divergente até agora é do ministro Flávio Dino, que considera inadequado que o auxílio-doença possa ser superior ao da aposentadoria por incapacidade permanente, que deveria garantir uma proteção maior ao segurado.

— Esse é um benefício pago em uma situação de eventualidade. O segurado continua tendo todas as despesas de antes e ainda assume os custos médicos decorrentes da incapacidade. Além disso, não é razoável oferecer o auxílio-doença com valores maiores do que o benefício por incapacidade permanente, o que deveria amparar justamente esse momento mais delicado — argumenta o advogado Nazário Nicolau Maio.

Contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas do setor público
A Reforma da Previdência de 2019 também permitiu a cobrança de contribuição de aposentados e pensionistas do funcionalismo que ganham entre o salário mínimo e o teto da Previdência (hoje de R$ 8.157,41). Antes, os inativos do funcionalismo só contribuíam sobre valores que excedessem esse limite.

Os aposentados e pensionistas do INSS, porém, não têm contribuição sobre seus proventos.

Até o momento, Supremo formou maioria para declarar a regra inconstitucional essa contribuição dos servidores inativos abaixo do teto do INSS. Os ministros argumentam que deve haver isonomia no tratamento tributário entre aposentados e pensionistas dos dois regimes — o geral (RGPS, leia-se INSS) e o próprio dos servidores (RPPS).

Contribuição extraordinária
Com a Reforma da Previdência, passou a ser permitida a criação de contribuições extraordinárias quando a alíquota cobrada de servidores inativos não for suficiente para cobrir o déficit previdenciário dos entes federativos (União, estados e municípios). Nesses casos, pode ser instituída uma cobrança adicional, calculada com base no déficit atuarial existente.

Antes da reforma, não havia previsão legal para esse tipo de contribuição.

Segundo especialistas, a posição atual do Supremo tende a reconhecer que há risco de excesso de tributação, e o Tribunal tem avaliado se os municípios e os estados estão extrapolando o limite do razoável ao criar ou propor essas cobranças adicionais.

Nulidade de aposentadorias concedidas sem contribuição
A Reforma da Previdência incluiu a possibilidade de anular benefícios concedidos com base em tempo de serviço que não teve contribuição previdenciária. A medida alcançaria aposentadorias antigas, concedidas antes da obrigação universal de recolhimento.

Antes da Emenda Constitucional 20, de 1998, a contribuição previdenciária não era obrigatória para todos os servidores públicos do país. A ampliação dessa exigência ocorreu de forma gradual: Por exemplo, a Emenda Constitucional 3/1993 passou a exigir contribuição para servidores federais, enquanto estados e municípios tinham regras próprias e períodos distintos de adaptação. Isso significa que muitas aposentadorias foram concedidas de forma legítima pelas normas da época, mesmo sem contribuição em todos os períodos de serviço.

O placar atual no Supremo indica maioria para garantir a manutenção das aposentadorias, evitando que a regra seja usada para invalidar benefícios concedidos segundo as normas vigentes no período em que o servidor completou os requisitos. O entendimento predominante é que a aplicação retroativa dessa nulidade violaria direito adquirido, além de gerar insegurança jurídica.

Contribuição no serviço público x contribuição ao INSS
A reforma de 2019 estabeleceu ainda que servidores e servidoras devem ter 25 anos como tempo mínimo de contribuição. A idade mínima também mudou: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Já o cálculo do benefício passou a considerar 60% da média de todas as contribuições, acrescidos de 2% por ano que exceder 20 anos de contribuição, independentemente do gênero.

O questionamento levado ao Supremo envolve exatamente essa diferença de tratamento entre as mulheres: no INSS, as mulheres têm direito ao adicional de 2% a partir de 15 anos, enquanto no regime dos servidores — objeto da ação —, o adicional para elas só começa a contar após 20 anos (como no caso dos homens).

O STF já formou maioria entendendo que esse tratamento entre as mulheres dos dois regimes diferenciado é inconstitucional, por violar o princípio da isonomia.

Caso a decisão final siga nesse caminho, as servidoras passarão a ter direito a 60% da média e acréscimo de 2% ao ano com 15 anos de contribuição. Assim, ao completar 25 anos, elas já poderão se aposentar recebendo 80% do valor apurado. Se continuarem trabalhando, receberão mais.

Alíquota progressiva na contribuição de servidores
Antes da reforma, a contribuição previdenciária dos servidores públicos seguia uma alíquota única (11%), aplicada igualmente a todos, independentemente do salário. Ou seja, quem ganhava menos e quem ganhava mais pagavam o mesmo percentual.

Com a Reforma da Previdência, passou a ser permitida a alíquota progressiva, que varia conforme a faixa de rendimento do servidor — nos moldes do regime federal. As contribuições começam em 7,5% para quem recebe até um salário mínimo, podendo chegar a 22% para ganhos acima de R$ 54.480,97. A medida busca reduzir o déficit previdenciário, elevando a contribuição dos servidores com maior remuneração.

O tema, porém, se tornou um dos pontos mais polêmicos das ADIs julgadas pelo Supremo. Já havia maioria formada para considerar o modelo constitucional, mas o ministro Dias Toffoli pediu vista e alterou seu voto, o que levou o julgamento a um empate de 5 a 5. Caberá ao ministro Gilmar Mendes dar o voto de desempate, e há tendência de que ele também considere a progressividade constitucional.

Os argumentos favoráveis defendem que quem ganha mais deve contribuir proporcionalmente mais, como forma de justiça fiscal e equilíbrio financeiro dos regimes próprios. Já os contrários afirmam que o modelo fere o princípio da isonomia, ao criar diferenças na forma de custear um benefício que deveria ser igualmente protegido conforme a base contributiva de cada servidor.