PM denunciado por omitir fuzil recolhido durante megaoperação escondeu arma na mochila
Sargento foi filmado pegando um fuzil AK-47 e uma pistola calibre 9mm de uma casa na Penha. Porém, no Registro Policial Militar, ele apresentou somente a arma curta
Um diálogo filmado pelas câmeras operacionais portáteis (COPs) revelou uma tentativa de ocultar o recolhimento de um fuzil AK-47 por dois policiais durante a megaoperação realizada em 28 de outubro nas comunidades do Complexo do Alemão e da Penha.
Os sargentos Marcos Vinicius Pereira Silva Vieira e Charles William Gomes dos Santos, denunciados por peculato após o suposto furto da arma, foram flagrados numa conversa que, para a Justiça do Rio, evidencia uma “possível tentativa de restrição de visibilidade do objeto ocultado”. Em um trecho das filmagens, o PM Santos questiona: “Vê se não está aparecendo”, e o agente Silva Vieira responde: “Tá não". A conversa aconteceu depois que eles colocaram a arma em uma mochila.
Segundo o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o armamento foi encontrado em uma residência onde cerca de 25 homens já haviam se rendido. As câmeras corporais mostram que Silva Vieira pegou o fuzil e se afastou do grupo de policiais que registrava o material apreendido. Minutos depois, ele se encontrou com Charles Santos, e ambos esconderam a arma em uma mochila, sem a contabilizar entre os itens oficiais da operação.
Além das imagens, o inquérito da polícia também constatou uma discrepância entre a documentação oficial e o conteúdo registrado. As gravações indicaram que os agentes encontraram no local um fuzil AK-47 e uma pistola calibre 9 mm. Porém, no Registro Policial Militar, foi apresentada somente a arma curta, sem qualquer referência ao fuzil.
Em decisão no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o juiz afirmou que as atitudes indicam, em tese, “omissão de informações e possível conduta dolosa destinada à ocultação de parte do material bélico apreendido, havendo ainda suspeita de eventual conluio para direcionamento dos resultados da operação”.
A comparação indica omissão de informações e possível conduta dolosa destinada à ocultação de parte do material bélico apreendido, havendo ainda suspeita de eventual conluio para direcionamento dos resultados da operação.
As imagens analisadas pela Corregedoria e pelo MPRJ mostram, ainda, que o sargento Silva Vieira comentou sobre a arma por áudio:
"É o quê? É ruim de eu entregar esse daqui. Esse aqui vai ficar para a gente”, afirma, segundo o vídeo exibido no Fantástico, da TV Globo. Ele também ressalta que o modelo não aparece entre os armamentos apreendidos: “Ninguém tem esse AK aqui, não", disse.
Em seguida, a dupla chega a discutir como esconder o fuzil e cogita desmontá-lo. Como não tinham ferramentas, decidem mantê-lo inteiro na mochila.
“Fecha de qualquer jeito. Já é, vamos sair daqui”, diz o sargento, conforme o material divulgado pela TV.
Nos últimos dias, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) denunciou seis policiais militares do Batalhão de Choque por crimes cometidos durante a megaoperação. As denúncias, oferecidas pela 1ª e 2ª Promotorias de Justiça junto à Auditoria Militar, apontam que os agentes praticaram peculato e furto qualificado, com condutas flagradas pelas câmeras operacionais portáteis (COPs).
Furto e desmanche de carro na Vila Cruzeiro
O segundo caso envolve o subtenente Marcelo Luiz do Amaral, o sargento Eduardo de Oliveira Coutinho e outros dois PMs. Eles foram denunciados por praticaram furto qualificado ao desmontarem partes de uma caminhonete Fiat Toro estacionada na Vila Cruzeiro.
Segundo o MPRJ, Coutinho retirou o tampão do motor, um farol e as capas dos retrovisores. Amaral e um outro policial teriam garantido condições para o furto, inclusive tentando impedir o registro das imagens pelas COPs. Outro agente identificado como Machado, embora presente, não teria tomado qualquer atitude para impedir o crime.
Manipulação das câmeras
O MPRJ ressalta que, nos dois casos, houve tentativas deliberadas de manipular as câmeras corporais. O Termo de Análise de Vídeo cita episódios em que os denunciados tentam desligar, cobrir ou desviar o campo de visão das COPs, com o objetivo de dificultar o controle interno e externo da atividade policial e comprometer a produção de provas.
Dos seis denunciados, quatro já foram presos. São eles: subtenente Marcelo Luiz do Amaral e os sargentos Eduardo de Oliveira Coutinho, Charles William Gomes dos Santos, Marcus Vinicius Ferreira Silva Vieira e Diogo da Silva Souza. O nome dos outros dois policiais não foi divulgado.
PM do Bope também flagrado
Os casos denunciados pelo MPRJ se somam a outras imagens reveladas pelo Fantástico, que mostraram um policial do Bope, sem identificação na farda, pegando um radiotransmissor e a capa de um colete à prova de balas após conversar com o sargento Silva Vieira dentro da mesma casa onde ocorreram as rendições.
“Vê se tem uma coisinha para levar”, diz o agente.
O sargento responde: “Pega, pô.”
O policial acaba recolhendo um rádio: “O radinho também vou levar!”
O Ministério Público afirma que continua analisando todas as imagens gravadas durante a megaoperação, considerada a mais letal da história do estado, com 122 mortos.