Antifacção

Relator de projeto Antifacção prevê fundo com imposto sobre bets para combate ao crime organizado

Texto está sendo finalizado e deve ser apresentado nesta terça

Senador Alessandro Vieira, relator do Projeto Antifacção, a ainda está recebendo sugestões para o relatório, parte delas apresentadas em audiência pública na manhã desta terça - Saulo Cruz/Agência Senado

O relator do projeto Antifacção no Senado, Alessandro Vieira (MDB-ES), afirmou nesta terça-feira que o relatório deve prever um novo fundo de combate ao crime organizado a partir de impostos cobrados das bets.

Vieira ainda está recebendo sugestões para o relatório, parte delas apresentadas em audiência pública na manhã desta terça. Ele pretende apresentar o texto até o fim do dia.

O objetivo é que o montante seja direcionado a investimentos e outras ações estratégicas, não para pegar salários.

— Queremos discutir a distribuição dos fundos de financiamento. Criamos uma Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) em cima das bets para fugir da disputa dos fundos. É dinheiro novo. Não é dinheiro para pagar remuneração — disse Vieira. — O foco principal do trabalho foi preservar e ampliar o financiamento.

Caso haja resistências para abrir esse novo fundo, uma alternativa seria criar uma divisão específica dentro do Fundo Nacional de Segurança Pública, que já está constituído.

A tendência é que o relatório mantenha o agravamento de penas e mais barreiras para a progressão de penas, além de prever que as audiências de custódia sejam preferencialmente por meio digital, enquanto a versão da Câmara estabelecia a obrigatoriedade. A proibição do pagamento de auxílio a familiares de presos deve sair do texto, segundo o relator.

Ponderações do Ministério da Justiça
Na semana passada, o Ministério da Justiça enviou a Vieira um documento com dez pontos que considera como "problemas essenciais" na versão aprovada pela Câmara.

A proposta foi elaborada pela própria pasta, mas, durante a tramitação na Câmara, o relator na Casa, deputado Guilherme Derrite (PP-SP), fez uma série de alterações, que, na visão do governo, desconfiguraram o texto original. Na votação da medida, na semana passada, o Planalto se posicionou contra a aprovação.

O relatório, com um total de 35 páginas, é uma resposta a um ofício enviado por Vieira ao ministério com pedido para que “fossem enviados subsídios técnicos para aprimoramento do texto em análise”.

Entre os itens essenciais, os principais problemas, na visão do governo, estão relacionados à redução de recursos disponíveis para a Polícia Federal e à sobreposição de leis. Esses pontos já haviam sido criticados pelo governo na tramitação na Câmara.

Derrite é secretário de Segurança Pública do governo Tarcísio de Freitas em São Paulo e se licenciou do posto para reassumir o seu mandato de deputado federal e relatar o PL. A sua designação como relator causou uma crise entre o governo e o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Ele rebateu as críticas do governo afirmando ter feito ajustes pedidos por integrantes do Executivo. Ele chegou a apresentar cinco versões do projeto até chegar ao texto final, que foi aprovado por 370 votos favoráveis a 110 contrários.

Entre os principais problemas apontados pelo Ministério da Justiça no texto estão:

Fundos públicos: substituição do Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-Fim da PF (Funapol) pelo Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) como destinatário de parte do dinheiro obtido por meio do confisco e do leilão de bens das facções, além de incluir a divisão dos recursos com fundos estaduais.

"Ocorre que a PF não é destinatária do FNSP”, diz o relatório, ao qual o GLOBO teve acesso. O texto abre margem, na visão da pasta, para a interpretação de que os recursos hoje destinados ao Fundo Nacional Antidrogas (Funad), que recebe apreensões derivadas do tráfico e que neste ano destina R$ 45 milhões à PF, passem a ser direcionados ao FNSP e aos estados.

Sobreposição de leis: em outro trecho do relatório, o MJ aponta que o conceito incluído por Derrite de “organização criminosa ultraviolenta” não dialoga com a Lei de Organizações Criminosas e abre margem para questionamentos judiciais, pois não dialoga com a Lei de Organizações Criminosas e abre margem para questionamentos judiciais.

Técnicos afirmam que a coexistência entre a legislação atual e uma segunda lei, proposta no projeto, pode levar a conflitos de enquadramento, nulidades processuais ou interpretações divergentes entre juízes. “Criar um outro diploma para tratar paralelamente de ‘organizações criminosas ultraviolentas’, ao invés de fortalecer o combate ao crime organizado, poderá criar um conflito de normas e interpretações”, afirma o ofício enviado a Alessandro Vieira.

O secretário nacional de Assuntos Legislativos do MJ, Marivaldo Pereira, avalia que a postura do relator no Senado tem sido muito diferente da de Derrite e acredita que haverá acordo.

— Comemoramos muito a postura do senador Alessandro Vieira de nos procurar para o diálogo. Uma postura muito diferente daquela adotada pelo deputado Derrite.

Os outros oito pontos vistos como essenciais citados pelo MJ são:

criação de obstáculos ao procedimento de bloqueio de bens de organizações criminosas, o que dificultaria operações como a Carbono Oculto;

tratamento mais ameno para milícias, do que aquele dedicado a organizações ultraviolentas;

ausência de conceito taxativo de organização criminosa ultraviolenta, o que pode levar à criminalização de qualquer tipo de organização;

criminalização de condutas fora do contexto de organizações criminosas, o que pode criminalizar movimento sociais (inclusive de direita);

risco de punição a moradores de comunidades que vivem sob o domínio de organizações criminosas que sejam eventualmente obrigados a abrir suas casas para ocupação por integrantes de facção;

inconstitucionalidades, como a retirada de competência do júri para julgar homicídios comentidos por integrantes de facções;

burocratização do procedimento para a expropriação de bens de organizações criminosas;

obrigação que cada estado crie estruturas para o leilão de bens apreendidos, gerando ineficiência e o desperdício de recursos públicos (hoje, o leilão é feito por um único órgão federal que leiloa os bens e partilha os recursos com os estados).