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Debate na ANJ defende regulação imediata para uso de conteúdo jornalístico por ferramentas de IA

Com as participações de representantes de O Globo, Folha, Estadão, RBS e Instituto Palavra Aberta, discussão também reafirmou a necessidade de se estabelecer regras claras para a utilização da Inteligência Artificial no dia a dia das redações

Mediadora do debate, Marta Gleich, falou sobre necessidade de haver uma supervisão humana na produção dos textos jornalísticos confeccionados com mecanismos de IA - Matheus Bertelli / Pexels

A necessidade de uma imediata regulação do uso do conteúdo jornalístico por parte das ferramentas de Inteligência Artificial esteve no centro do debate “IA e o futuro do jornalismo”, promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ) na quinta (4).

O debate, realizado Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), na Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo, teve mediação de Marta Gleich, diretora-executiva de jornalismo e esporte do Grupo RBS, e contou com a participação dos diretores de redação Alan Gripp (O Globo), Sérgio Dávila (Folha de S.Paulo) e Eurípedes Alcântara (O Estado de S.Paulo), e da presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco.

A discussão encerrou o evento realizado pela ANJ que concedeu ao Instituto Palavra Aberta o prêmio do ano por sua defesa da liberdade de imprensa e homenageou 13 jornais centenários, incluindo O Globo, por suas ações e contribuições para a consolidação da democracia brasileira.

Em defesa da liberdade de imprensa - ANJ premia Instituto Palavra Aberta e homenageia O Globo e outros jornais centenários

O diretor de Redação do Globo, Alan Gripp, defendeu a necessidade urgente de um modelo de regulação, que leve em conta a remuneração e o trabalho de quem de fato produz o conteúdo hoje disseminado livremente pelas ferramentas de IA.

– É inevitável que a gente lide com a regulação. Precisamos estabelecer responsabilidades, punições e definir até onde vai o limite do uso e como isso deve ser informado. Mas a gente não discute isso. Essa discussão no Brasil parou. Não é o que acontece em outros países. A Europa está muito mais avançada e tem um modelo bem interessante sobre essa questão, mas a gente está aqui imerso nessa confusão institucional que não tem fim e infelizmente essa coisa não avançou. O caminho é a regulação – afirmou Gripp.

Sérgio Dávila, diretor de Redação da Folha, destacou que a ausência dessas regras favorece a pirataria, como já aconteceu no passado.

– Toda vez que aparece uma disrupção tecnológica da dimensão da Inteligência Artificial, o próximo passo é os disruptores praticarem a pirataria. Isso aconteceu na popularização da internet nos anos 1990, na massificação das redes sociais nos anos 2000, e agora acontece com a IA. A pirataria é, no nosso caso, usar o nosso conteúdo em todos os modelos de negócios que pressupõem a monetização dos seus conteúdos. E usar esse conteúdo sem pagar - disse Dávila.

Em sua participação, Patrícia Branco, presidente do Instituto Palavra Aberta, defendeu a construção de políticas voltadas para o fortalecimento do jornalismo em tempos de disseminação das ferramentas de IA.

– Acho que o jornalismo corre o risco da pasteurização, de você ficar tão preso naquele resultado apresentado pela ferramenta de inteligência artificial que deixa de ser criativo, deixa de olhar o outro lado, de fazer a análise de contexto e tantas outras questões que só o olhar jornalístico, o olhar humano vai poder trazer a notícia – destacou Patricia.

Em outro ponto do debate, o diretor de redação do Estadão, Eurípedes Alcântara, explicou como o jornal vem utilizando a IA no dia a dia. Segundo ele, ainda que utilize a ferramenta na apuração de uma reportagem, o jornalista é, em última estância, o autor real do que está escrito.

– O Estadão desenvolveu a seguinte estratégia: força livre no uso das inteligências artificiais e das tecnologias na fase que precede a entrega do conteúdo para o público e, entre produção e a entrega, leis internas, códigos absolutamente severos e de fácil explicação. No texto, você será o autor de qualquer matéria que colocar em qualquer canal do Estadão. O jornalista é o responsável, ele representa o jornal. Trata-se de uma pessoa falando com outra pessoa. Não interessa o quanto você usou das novas tecnologias – explicou o Eurípedes.

A mediadora do debate, Marta Gleich, corroborou com as observações do diretor do Estadão sobre necessidade de haver uma supervisão humana na produção dos textos jornalísticos confeccionados com mecanismos de IA e lembrou que há duas premissas básicas.

– A primeira é sempre supervisão humana, sempre deverá haver supervisão humana. E a segunda é não enganar o público, que aliás está nos nossos valores, nos nossos princípios jornalísticos desde o início, para todos os veículos de credibilidade – ressaltou.

Para Alan Gripp, do Globo, é impossível ignorar o potencial da Inteligência Artificial na redação. Ele concorda que é absolutamente necessária a existência de regras claras dentro do jornal.

– O primeiro impacto da Inteligência Artificial foi assustador para nós todos, mas a gente tem, historicamente, no Grupo GLOBO, um grande otimismo. A gente gosta da tecnologia, vive da tecnologia e se alimenta dela para avançar. Mas, dito isso, o que a gente fez no GLOBO foi definir regras muito claras de como lidar com a IA no dia-a-dia. E tem uma cláusula pétrea ali, que é jamais dispensar a supervisão jornalística, a supervisão humana na adoção de ferramentas de Inteligência Artificial. A IA tem muito valor quando está atrelada ao conteúdo que o jornal já tem – afirmou.