CEO da Lufthansa incentiva Embraer a entrar na disputa com Boeing e Airbus
Carsten Spohr visita fábrica em São José dos Campos e diz que setor aéreo precisa de uma "terceira força" para reduzir custos e superar crise de oferta
O protagonismo global formado por Airbus e Boeing tem na Embraer um desafiante à altura e necessário, na visão do comando da Lufthansa. Em passagem pelo Brasil, o CEO global do grupo alemão, Carsten Spohr, defendeu abertamente nesta quinta-feira (4) que a fabricante brasileira entre na disputa pelo segmento de grandes aeronaves comerciais.
— Gostaria que a Embraer fabricasse aviões maiores. Eu acho que a Embraer é forte o suficiente para competir com a Airbus e Boeing — declarou o executivo em agenda com jornalistas em São Paulo, horas antes de uma visita estratégica à fábrica da companhia em São José dos Campos (SP) na tarde de ontem. Para Spohr, a indústria da aviação clama por mais eficiência e custos menores, equações que poderiam ser resolvidas com a consolidação de um terceiro player de peso no cenário internacional.
O CEO celebrou a existência da Embraer como essa "terceira força" e disse estar ansioso para debater como a empresa pode ampliar seu protagonismo diante das rivais do Hemisfério Norte. Do lado brasileiro, o presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto, mantém a cautela, mas já admitiu que novos produtos estão em análise.
Embora ainda não haja uma definição oficial, o mercado especula que o próximo passo da fabricante seria justamente invadir a faixa de jatos de maior porte, superando a atual barreira onde seus modelos concorrem apenas com as menores aeronaves da Airbus.
— Pense no que aconteceu nos anos 60, 70, 80, 90, e então olhe para o que aconteceu nos últimos 20 anos. Acho que precisamos garantir, e é aí que a Embraer é um fator importante, que a concorrência e a inovação avancem — afirmou o CEO.
A fala de Spohr ecoa especulações crescentes de que a Embraer estaria avaliando o desenvolvimento de um jato narrowbody (corredor único) de nova geração para competir no segmento de 150 a 200 passageiros. Hoje, a Embraer domina a aviação regional, com seu maior jato, o E195-E2, transportando até 146 passageiros.
Para brigar com os "best-sellers" do mundo — o Airbus A320neo e o Boeing 737 MAX —, a brasileira precisaria projetar um avião ligeiramente maior. Com a Boeing enfrentando crises de qualidade e a Airbus com a linha de produção lotada até o final da década, analistas avaliam que nunca houve um momento tão propício para a entrada de um novo concorrente.
Falta de peças e aeronaves em solo
A defesa de uma nova alternativa de fornecimento não é por acaso. O entusiasmo de Spohr com a engenharia brasileira acontece em meio a uma "tempestade perfeita" na cadeia de suprimentos global, que tem travado os planos de expansão da Lufthansa no próprio Brasil.
— No último verão europeu, estávamos com a falta de 41 aeronaves da Boeing. Nós não temos 41 aviões para substituí-los. Então usamos 18 aeronaves mais antigas para algumas rotas e deixamos de voar 23 rotas porque não tínhamos avião. Isso está nos afetando profundamente. Assim como a ideia de abrir novos destinos na América Latina está limitada por essa falta de aeronaves — disse Spohr.
O gargalo mais crítico está nos propulsores. A Pratt & Whitney enfrenta problemas técnicos complexos com seus motores que equipam parte dos Airbus A320neo, obrigando centenas de aviões a ficarem no chão para inspeções de longa duração. Já a CFM International (joint venture da GE e Safran), que equipa os Boeing 737 MAX e a outra parte dos Airbus, sofre com a escassez de matérias-primas nobres, como titânio e níquel, agravada por tensões geopolíticas.
Em 2024, a Boeing viu suas entregas despencarem cerca de 35% devido a greves e processos de revisão de qualidade. A Airbus, por sua vez, reduziu suas metas anuais por incapacidade de receber peças de fornecedores. Dados recentes da Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA) estimam que esses problemas na cadeia de suprimentos custarão às companhias aéreas mais de US$ 11 bilhões apenas em 2025. Para a Lufthansa, o impacto estimado é de cerca de € 500 milhões anuais, segundo afirmou o CEO em junho de 2024.
Nordeste no radar
Durante a entrevista coletiva, Carsten Spohr foi enfático ao reafirmar a posição estratégica do Brasil nos planos da companhia, classificando-o como um dos mercados mais estáveis e relevantes fora dos Estados Unidos. O executivo revelou o interesse em expandir a malha para o Nordeste a partir de 2027.
Spohr confirmou que ele e Dirk Janzen, diretor de Vendas para as Américas, farão uma visita técnica a Fortaleza (CE) para avaliar o mercado local. Recife (PE) também foi mencionada como um ponto de interesse inédito para a holding.
— Dirk Janzen e eu visitaremos Fortaleza para dar uma olhada neste mercado. Recife, em Pernambuco, nós também nunca estivemos, mas a expansão não é algo que estaremos focados já nos próximos um ou dois anos justamente por conta da falta de aeronaves. O setor aéreo está com dificuldades em relação à frota, então, para um novo destino, eu preciso de um avião novo. Portanto, provavelmente será algo para 2027.
O presidente do grupo — que engloba Lufthansa, Swiss, Austrian Airlines e agora a ITA Airways — celebrou a aquisição da companhia italiana, movimento que, segundo ele, "dobrou a participação do grupo em voos para a América Latina", consolidando um hub estratégico no sul da Europa, em Roma, além das conexões já estabelecidas em Frankfurt, Munique e Zurique.
Enquanto a expansão geográfica aguarda a entrega de novos jatos, a Lufthansa investe na experiência do passageiro e na modernização da frota atual. O CEO destacou a introdução das novas cabines "Allegris", a chegada de novos Boeing 787 e a reconfiguração interna dos icônicos Boeing 747.
Segundo Spohr, por enquanto, a estratégia da companhia para o Brasil difere de concorrentes que buscam capilaridade direta em dezenas de cidades secundárias. O foco da Lufthansa permanece em conectar os grandes centros (São Paulo e Rio de Janeiro) aos seus quatro hubs europeus, oferecendo a partir de lá capilaridade para mais de 200 destinos globais.