PRESIDENTE DA CÂMARA

Motta renova aceno ao bolsonarismo e afasta a esquerda, mas evita rompimento por apoio de Lula em 26

Eleito com apoio do PT ao PL, deputado tenta se equilibrar entre demandas do governo e da oposição, mas atende mais à direita em momentos chave

Presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta - Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), renovou acenos ao bolsonarismo, afastou a esquerda e estremeceu ainda mais a relação com o Palácio do Planalto com a votação do projeto de redução de penas para os envolvidos na trama golpista e com o andamento dado à tentativa de cassação de Glauber Braga (PSOL-RJ).

Motta foi eleito presidente da Câmara com apoio quase majoritário dos partidos e tem tentado conciliar desde o começo de sua gestão as demandas do PT de Lula e do PL de Jair Bolsonaro, fazendo gestos de um lado a outro.

Apesar disso, na avaliação de governistas e até mesmo de aliados do parlamentar, em momentos considerados chave de sua presidência, Motta tem atendido mais a oposição, reforçando um sentimento de desconfiança do governo e de parlamentares da esquerda.

Motta tentou avançar com a cassação de Braga, mas teve de recuar diante do risco de sair derrotado em plenário, num momento em que sua autoridade é questionada por deputados. Para evitar que a cassação fosse rejeitada, foi costurada uma “saída honrosa”, com a aprovação da suspensão do mandato do psolista por seis meses.

Além desse episódio, são lembrados como exemplos desse alinhamento com a oposição a derrubada de decreto presidencial sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem, a aprovação da urgência do projeto da anistia, a proposta da redução de penas, o tratamento dado aos bolsonaristas amotinados e a escolha de Guilherme Derrite (PP-SP) — ex-secretário de Tarcísio de Freitas no governo de São Paulo — para relatar o projeto Antifacção.

Em todos esses episódios, Motta passou a ser alvo de críticas em uma parcela da opinião pública, em um movimento que também mobilizou o PT. Integrantes do Planalto e o próprio Lula se queixaram dessa postura, segundo relatos. Após a aprovação do texto de Derrite, Motta anunciou que tinha rompido com os líderes do PT, Lindbergh Farias (PT), e do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ).

O grupo do presidente da Casa, no entanto, diz que ele não tem a intenção de romper com o governo, fala em equilíbrio nas decisões e afirma que Motta é um deputado da centro-direita e, portanto, tem maior alinhamento à oposição.

Olho na eleição
Além disso, o entorno do deputado diz que ele conta com o respaldo de um bloco com 275 parlamentares, que garante a sustentação dele na Casa e o fortalece nesse embate entre governo e oposição. Na leitura de pessoas próximas a Motta, esse grupo faz com que o presidente da Câmara não precise do apoio da esquerda ou da direita na tomada de decisões.

Deputados próximos de Motta citam ainda a eleição na Paraíba no próximo ano como mais um motivo para que o deputado evite rompimento com a esquerda. Ele trabalha para que o presidente da República apoie seu pai, o prefeito de Patos, Nabor Wanderley (Republicanos-PB), para uma vaga ao Senado. Em 2022, o petista teve 66,6% dos votos no estado, contra 33,4% de Bolsonaro.

Na terça, num exemplo do esforço do parlamentar em não desagradar nem oposição nem governo, ele anunciou que levaria ao plenário o projeto da redução de penas dos envolvidos no 8 de janeiro, contrariando o Executivo, e disse que daria andamento ao processo de cassação de quatro deputados, sendo três deles bolsonaristas: Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Carla Zambelli (PL-SP) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), além de Glauber Braga (PSOL-RJ).

O chefe da Casa também disse que seriam votados na Câmara projetos da agenda prioritária do governo federal, sobretudo da pauta econômica, como o que pune o devedor contumaz e o que reduz benefícios tributários para as empresas em 10%, atendendo a pedidos dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Gleisi Hoffmann (Secretaria de Relações Institucionais). A aprovação do texto que sanciona empresas que usam a sonegação de impostos como estratégia de negócios foi comemorada por Haddad.

Na avaliação de um interlocutor próximo de Motta, o andamento da pauta econômica do governo é um gesto mais do que claro de que o deputado não ignora as demandas do Executivo e trabalha para ajudar o governo na aprovação desses temas.

Apesar disso, governistas criticaram duramente a postura de Motta — queixas que aumentaram ao longo do dia com a reação do presidente da Câmara à tentativa de Glauber em obstruir os trabalhos da Casa.

Pressão da esquerda
Na tarde de terça, como protesto, o psolista ocupou a cadeira da presidência e afirmou que não deixaria o espaço. Ele provocou Motta, dizendo que o episódio serviria para expor o parlamentar que, até o momento, não puniu bolsonaristas amotinados que inviabilizaram os trabalhos da Casa por cerca de 30 horas em agosto.

O deputado do PSOL foi retirado da cadeira à força por agentes da polícia legislativa, num momento em que a transmissão da sessão pela TV Câmara foi interrompida e profissionais da imprensa retirados do plenário para evitar registros de imagens. Apesar de apelos do governo, Motta seguiu com a sessão e votou o projeto da dosimetria.

Durante a sessão, parlamentares da esquerda elevaram o tom contra o presidente da Câmara, botando em dúvida a autoridade dele no comando da Casa, num sinal dessa insatisfação com a postura do deputado. Lindbergh, por exemplo, disse que Motta estava perdendo as condições de seguir à frente da Câmara.

Dois deputados governistas falam em “caminho sem volta” na relação de Motta com o Planalto depois do que ocorreu nesses últimos dias. Nas palavras de um deles, o presidente da Casa tem mostrado que é oscilante, sem força em plenário e suscetível às pressões externas.