Congresso Nacional

Relatório da PEC da Segurança Pública dá poder para Congresso 'sustar' resoluções do CNJ e Executivo

Medida pode se converter em mais um capítulo no conflito entre os Poderes Legislativo e Judiciário

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília - Antônio Cruz/Agência Brasil

O relatório da PEC da Segurança Pública, protocolado pelo deputado federal Mendonça Filho (União) nesta quarta-feira, dá poder ao Congresso Nacional para derrubar normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e do Poder Executivo, que, segundo o texto, "exorbitem do poder regulamentar". A medida pode se converter em mais um capítulo no conflito entre os Poderes Legislativo e Judiciário.

Segundo o relator, o objetivo é deixar claro que "nenhum conselho pode legislar no lugar do Parlamento". No texto, ele citou como exemplo a resolução que instituiu as audiências de custódia no Brasil, obrigando todo preso em flagrante a ser levado a um juiz em até 24 horas para avaliar a legalidade da prisão. Essa norma foi baixada em 2015 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, Ricardo Lewandowski, que foi idealizador da PEC da Segurança como ministro da Justiça.

Outras duas resoluções do CNJ que, segundo Mendonça, "ultrapassam" a fronteira entre regulação e criação de regras de "natureza legislativa" tratam do fechamento de manicômios e o veto a prender em flagrante pessoas com tornozeleira eletrônica que estejam descumprindo a medida cautelar.

Responsável por fiscalizar o Poder Judiciário, o CNJ é comandado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Na sessão desta quarta-feira, Mendonça Filho ressaltou que "não são tempos fáceis para confrontar outros Poderes da República", mas ponderou que ele nunca atacou o Supremo e nenhum de seus ministros.

— Não entenda como uma briga com o CNJ. Quem cabe fazer leis? Nós. Como vamos aceitar que o CNJ produza leis e regras a serem seguidas pela sociedade. Não tem essa legitimidade. Não é uma ação contra ninguém, mas a favor do Congresso. Aliás, nós estamos sendo passivos por muito tempo. Eu insisto nessa tese mesmo que seja um debate bem acalorado. Não são tempos fáceis para confrontar outros Poderes da República — disse o deputado federal.

Em reunião ocorrida ontem no Palácio da Justiça, Lewandowski teria manifestado contrariedade com esse ponto ao deputado Mendonça Filho e ao presidente da comissão especial, Aluisio Mendes (Rep-MA).

— Nós deixamos claro para ele que mantivemos toda a estrutura do texto original. Sem esses acréscimos e alterações, o texto não teria o apoio da oposição e não passaria no Congresso. Faz parte do processo legislativo — disse Mendes.

Mendonça, por sua vez, disse que o ministro agiu com "elegância", como um "democrata" e é "merecedor da iniciativa" de ter iniciado esse debate no Congresso.

O texto do deputado do União deve ser votado na comissão especial da PEC na próxima terça-feira e no plenário da Câmara na quarta. A proposta já recebeu uma sinalização positiva de integrantes da oposição à base do governo, diferente do PL Antifacção, que foi relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), alterado pelo Senado e agora retorna à Câmara.

Fortalecimento dos Estados

Enviada pelo governo Lula ao Congresso Nacional, com o intuito de aumentar o poder da União na coordenação de políticas de segurança, a PEC recebeu diversas alterações na comissão especial da Câmara que acabaram por fortalecer os Estados.

Segundo o texto, os governos estaduais agora terão competência - assim como a União - para criar "forças-tarefa intergovernamentais e interinstitucionais" e instituir "conselhos de segurança pública e defesa social" e "estabelecer as respectivas políticas e planos de segurança".

Além disso, o projeto instituiu que a União deve distribuir obrigatoriamente "ao menos 50%" dos fundos nacionais de segurança e penitenciário aos Estados, "independentemente de convênio ou instrumento congênere". Isso significa um enfraquecimento da União no controle sobre a verba.

Atualmente, o orçamento do fundo é destinado seguindo critérios definidos pelo governo federal, como redução nos indícios de homicídios, enfrentamento à violência contra a mulher, combate ao crime organizado etc. Os dois fundos nacionais foram incluídos na Constituição, como veto ao contingenciamento - como queria Lewandowski.

Mendonça Filho foi escolhido pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Rep-PB), como relator do projeto por se declarar um "federalista", que não deixaria a União usurpar da competência dos Estados. Não à toa ele recebeu o apoio enfático de governadores da oposição, como Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ronaldo Caiado (União), que eram críticos do projeto inicial.

Além de tratar sobre essas prerrogativas, a nova versão da PEC traz novidades que extrapolam o seu escopo inicial. Dentre elas, estão

A previsão de um referendo para consultar a população sobre se aprova ou não a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. A deliberação seria feita nas eleições municipais de 2028.

O veto à progressão de regime e suspensão de benefícios penais para criminosos enquadrados em "organizações criminosas de alta periculosidade ou lesividade e crimes cometidos com perversa violência".

A suspensão dos direitos políticos para presos provisórios. Conforme a legislação atual, apenas detentos condenados são impedidos de votar.

A possibilidade de "todos os órgãos de segurança pública", o que inclui as Polícias Militares e as Guardas Civis Municipais, de registrar ocorrências de crimes de menor potencial ofensivo, como ameaça, lesão corporal e acidente de trânsito. Antes isso era restrito apenas às Polícias Judiciárias.

O que foi preservado

Da parte que foi mantida do projeto original, o relatório prevê a constitucionalização do Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a ampliação das prerrogativas da Polícia Federal para investigar crimes contra o meio ambiente e aqueles praticados por “milícias privadas” e “organizações criminosas”. Em relação à Polícia Rodoviária Federal, o texto conserva a prerrogativa da instituição de patrulhar ferrovias e hidrovias, além das rodovias, mas não muda o nome da corporação para Polícia Viária Federal - como sugeriu o governo Lula.

O órgão de segurança que será rebatizado são as Guardas Civis Municipais, que passarão a ser chamadas de "polícias municipais comunitárias". Este foi um pleito da categoria que lotou a maioria parte das audiências da comissão.