INVESTIGAÇÃO

A agenda de Vorcaro: dono do Banco Master reúne contatos de ministros do STF e cúpula do Congresso

Celular de banqueiro traz nomes de autoridades; defesa não se manifesta

MPF recorre de decisão que mandou soltar dono do Banco Master, Daniel Vorcaro - Banco Master / Divulgação

Conhecido em Brasília por alardear sua extensa rede de relações políticas, o dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, tem no celular uma lista de contatos que inclui ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e a cúpula do Congresso.

Após as quebras dos sigilos fiscal, bancário e telemático do banqueiro, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do INSS recebeu um arquivo que mostra os telefones que ele registrou em seu aparelho. O Globo identificou na agenda pelo menos três ministros do Supremo, cinco senadores, 20 deputados e um governador.

Não há informações sobre trocas de mensagens ou ligações, apenas a lista com os contatos. Procurado, Vorcaro não se manifestou.

Um dos nomes é o ministro do STF Dias Toffoli, que preside na Corte a investigação sobre as supostas irregularidades do Master. Conforme revelou o colunista Lauro Jardim, do Globo, Toffoli viajou em um jato particular a Lima, no Peru, acompanhado do advogado de um diretor do Banco Master.

Dias depois da viagem internacional, o ministro decretou o sigilo do inquérito e decidiu que todas as investigações sobre a instituição deveriam passar pelo Supremo.

 

Além disso, na sexta-feira, o ministro retirou da comissão parlamentar o acesso a todo material da quebra dos sigilos, como dados financeiros e mensagens de WhatsApp.

O gabinete de Toffoli explicou que os advogados do empresário pediram a anulação das medidas, o que foi indeferido por ele. No lugar, o ministro determinou que os documentos fossem encaminhados diretamente ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e ficassem guardados na presidência da Casa até uma nova deliberação do STF sobre o assunto.

O presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), considerou a ordem judicial "grave" por "enfraquecer a investigação" e "ampliar a desconfiança da sociedade".

Assim como Toffoli, Alcolumbre também aparece na lista de contatos. Procurados para comentar, eles não se manifestaram.

Foi no Senado que, em 2024, houve um debate legislativo que poderia ter beneficiado o Master em meio ao processo de expansão do banco. Na ocasião, o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que aparece na agenda de Vorcaro, apresentou uma emenda ao projeto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da autonomia financeira do Banco Central que aumentaria de R$ 250 mil para R$ 1 milhão a cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para as aplicações financeiras como o CDB, principal produto do banco — a alteração, portanto, permitiria ampliar a captação de recursos.

O dispositivo, que ficou conhecido no Congresso como "emenda Master", não foi incluído no projeto. Na época, o senador negou que houvesse a intenção de beneficiar o banco. Procurado, Nogueira não se manifestou.

Outro ministro do STF que aparece na agenda de Vorcaro é Alexandre de Moraes. Procurado, ele não se manifestou. Segundo a colunista Malu Gaspar, do Globo, os agentes da PF encontraram um contrato de prestação de serviços entre o Master e o escritório da advogada Viviane Barci de Moraes, mulher do ministro. De acordo com o documento achado no celular de Vorcaro, a remuneração mensal prevista pelo trabalho era de R$ 3,6 milhões.

Também integrante da Corte, o ministro Kassio Nunes Marques figura na agenda telefônica. Ao GLOBO, ele afirmou que não tem nenhuma relação com Vorcaro e que seu contato está "aberto" a muita gente desconhecida desde a sabatina no Senado, em 2020.

No outro lado da Praça dos Três Poderes, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o seu antecessor, Arthur Lira (PP-AL), constam na agenda de Vorcaro. Motta não se pronunciou. Lira, por sua vez, disse que não mantém relação com o empresário, com quem nunca falou por telefone. Segundo ele, disse se lembrar apenas de dois “encontros institucionais”.

"Fortes amigos"

Vorcaro é peça-chave nas investigações sobre um suposto esquema de fraudes na concessão de créditos falsos e crimes contra o sistema financeiro. Ele ficou preso por nove dias e foi solto mediante o uso de tornozeleira eletrônica.

A investigação da PF que levou à prisão Vorcaro e outros dirigentes do Master, além do afastamento do presidente do BRB, aponta indícios de que a operação financeira de R$ 12,2 bilhões foi arquitetada por “pura camaradagem” como “tentativa de abafar a fiscalização” feita pelo Banco Central. Em novembro, o Master foi liquidado pelo BC.

Antes de ser alvo da Polícia Federal, Vorcaro ressaltava a importância da rede de contatos políticos. Ele dizia a pessoas próximas que havia feito “fortes amigos” em Brasília, que “no Brasil não tem como andar se não tiver esse tipo de proteção”. Sem esse tipo de apoio, segundo ele, não teria ido tão longe.

Um episódio contado por ele ilustrava a situação. O banqueiro dizia que, durante as negociações com o BRB para a compra do Master, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), havia confidenciado que ligou para um aliado político para saber mais sobre o histórico e que recebera “ótimas referências” dele. Essa credencial ajudou a destravar um negócio de R$ 12,2 bilhões entre a instituição financeira pública e o Master, que precisava desses recursos para sobreviver no mercado.

Ibaneis é uma das autoridades que aparecem na lista de contatos de Vorcaro. Quando a história contada por Vorcaro foi revelada, ele negou que ela tenha ocorrido.

— Ele estava vendendo o banco para o BRB. Nada mais natural que tivesse meu telefone — afirmou o governador.

Além da agenda, Vorcaro usava uma casa num bairro nobre em Brasília para estreitar os laços com o meio política. No ano passado, ele comprou por R$ 36 milhões uma mansão de 1.700 metros quadrados, em condomínio fechado, com ampla vista para o Lago Paranoá. O local tornou-se ponto de encontro de parlamentares e outras autoridades da capital federal.