BRASIL

Dois absolvidos, 29 condenados e 500 anos de prisão: veja a sentença dos acusados da trama golpista

Corte puniu pela primeira vez generais e um ex-presidente por tentativa de golpe

O plenário do Supremo Tribunal Federal - Antonio Augusto/STF

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal ( STF) encerrou na terça-feira o julgamento do último núcleo da trama golpista ao condenar cinco pessoas responsáveis pelo “gerenciamento” de atividades criminosas para manter Jair Bolsonaro no poder mesmo após a derrota nas urnas em 2022.

Ao longo de 21 sessões dedicadas às ações penais, o Judiciário puniu pela primeira vez generais e um ex-presidente pela tentativa de subverter a ordem institucional. Foram quatro meses de deliberação, condenações que somadas superam 500 anos de prisão e 29 réus com penas fixadas, com dois acusados absolvidos.

Na terça-feira, ao finalizar a análise do último caso, o relator, ministro Alexandre de Moraes, fez um balanço sobre a resposta do Judiciário aos ataques às instituições democráticas. O magistrado informou que o Supremo já condenou 810 pessoas por ações relativas ao 8 de janeiro de 2023, em processos distintos, em página não totalmente virada devido ao avanço de projeto para redução de penas que tramita no Senado (mais detalhes na página 8).

 

Na sessão de terça-feira, foram condenados o ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, o general da reserva Mario Fernandes, o ex-assessor presidencial Filipe Martins e outros dois réus. Nesta última leva, as penas variaram entre 26 anos e seis meses e oito anos e seis meses de prisão.

Decisão unânime
Os ministros também decidiram absolver o ex-diretor do Ministério da Justiça Fernando de Souza Oliveira, que também atuou na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. A decisão foi unânime. O voto de Moraes foi seguido por Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Flávio Dino.

Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os integrantes do último grupo a ser julgado foram responsáveis por elaborar a chamada “minuta do golpe”, articular uma ação da PRF para dificultar o voto de eleitores da Região Nordeste nas eleições de 2022 e, ainda, de elaborar o plano Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de autoridades.

Ao analisar o caso, Moraes criticou a alegação de que os bloqueios da PRF não alteraram o resultado da eleição e afirmou que isso só não ocorreu porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — que era presidido por ele — agiu de forma rápida, inclusive com ameaça de prisão a Silvinei:

— Isso não impactou as eleições pela atitude rápida do Tribunal Superior Eleitoral. Isso não impactou as eleições porque houve ameaça de voz de prisão ao diretor da Polícia Rodoviária Federal.

O relator também ironizou o argumento de Mario Fernandes, responsável pelo plano de assassinar autoridades, de que o Punhal Verde e Amarelo foi um “pensamento digitalizado” e de que o documento não foi compartilhado com ninguém.

O texto mencionava a eliminação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice Geraldo Alckmin.

— Às vezes, realmente, nós entendemos a importância do direito ao silêncio. É melhor pedir o direito ao silêncio do que dizer “é um arquivo digital, que nada mais retrata um pensamento meu que foi digitalizado”. Não há defesa possível quando a impressão do documento Punhal Verde e Amarelo foi feita no Palácio do Planalto.

Ainda no julgamento de terça-feira, Moraes afirmou que “não há nenhum sentido” em afirmar que o tenente-coronel Mauro Cid inventou, em sua delação premiada, a informação de que Filipe Martins foi responsável por elaborar um documento prevendo medidas para reverter o resultado das eleições.

A participação de Martins foi relatada por Cid e reforçada por outras provas, como registros de entrada no Palácio da Alvorada.

— Todas as provas corroboram exatamente o que a colaboração premiada disse. Não há nenhum sentido, e isso também não foi demonstrado; não há nenhum sentido em afirmar que o réu colaborador tinha a intenção de criminalizar Filipe Martins.

Os seis réus foram acusados de cinco crimes: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, deterioração do patrimônio tombado e dano qualificado por violência e grave ameaça ao patrimônio da União.

Réus absolvidos
Moraes votou pela absolvição, parcial ou total, de Fernando Oliveira e Marília Alencar. Os dois trabalharam no Ministério da Justiça, na gestão de Anderson Torres (condenado no “núcleo político ou crucial” da trama golpista), e foram levados por ele para a Secretaria de Segurança do DF após o fim do governo Bolsonaro. Na semana passada, as defesas dos seis réus pediram sua absolvição.

O relator considerou que há provas da participação de Alencar no planejamento dos bloqueios da PRF, mas não de Oliveira. Além disso, avaliou que não há indícios de envolvimento de nenhum dos dois nos atos golpistas do 8 de Janeiro.

Moraes votou, então, para condenar Alencar por abolição do Estado democrático de Direito e por organização criminosa, mas não pelos demais crimes.

— Em relação a Marília Ferreira de Alencar não há dúvida em relação à efetiva participação para tentar manipular, prejudicar o segundo turno das eleições. E, com isso, dentro da organização criminosa, atentou contra o Estado democrático de Direito. Mas, após a prática desses crimes, não há nenhuma prova robusta, prova razoável, de nexo causal das suas condutas do que ocorreu no dia 8.

Com a conclusão do julgamento dos últimos réus, o Supremo se prepara para enfrentar uma série de novas pautas em 2026. É o caso das investigações envolvendo desvios de emendas parlamentares, com um primeiro julgamento já marcado pela Corte, além das apurações envolvendo o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e desdobramentos de ações contra o crime organizado. No horizonte mais próximo da Corte estão o julgamento, já em fevereiro e março, dos réus acusados pelos assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ).