Projeto que reduz penas de Bolsonaro é aprovado no Senado e segue para análise de Lula
Proposta altera cálculo das condenações do 8 de janeiro, diminui tempo em regime fechado e foi aprovada após acordo de procedimento envolvendo pauta econômica do governo
O Senado aprovou nesta quarta-feira (17) o projeto de lei que altera regras de dosimetria e reduz a pena do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
O texto segue agora para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em meio a sinalizações do governo de que pode barrar ao menos parte do texto. Foram 48 votos a favor e 25 contrários, além de uma abstenção.
A votação no plenário ocorreu após um acordo de procedimento articulado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), que admitiu ter defendido o avanço da dosimetria diante da avaliação de que a aprovação já era inevitável.
Em troca, buscou apoio para acelerar a tramitação de um projeto de interesse da equipe econômica que corta incentivos fiscais e eleva a tributação de bets, fintechs e juros sobre capital próprio.
— A dosimetria já tinha maioria formada. Eu fiz um acordo de procedimento, não de mérito, para não travar a pauta econômica. A responsabilidade é minha — afirmou Wagner durante a sessão.
Da anistia ampla ao ajuste de penas
A tramitação do projeto começou ainda em 2024, na Câmara dos Deputados, a partir de iniciativas da oposição que defendiam uma anistia ampla aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro e avançou junto com o julgamento da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) .
As primeiras versões do texto chegaram a prever o perdão de crimes que extrapolavam os atos golpistas e poderiam beneficiar, inclusive, parlamentares investigados por participação em articulações antidemocráticas, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Diante da resistência interna e do risco de judicialização, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), entregou a relatoria ao deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP). Com trânsito no Supremo, o parlamentar reformulou a proposta e substituiu a anistia por mudanças técnicas no cálculo das penas — a chamada dosimetria penal.
O texto aprovado pelos deputados, porém, ampliava benefícios para além dos crimes ligados ao 8 de janeiro, ao alterar regras da Lei de Execução Penal aplicáveis a outros delitos cometidos com violência ou grave ameaça. Ao chegar ao Senado, a proposta passou a ser alvo de críticas por abrir brechas para favorecer condenados por crimes diversos.
Emenda de Moro e trava no retorno à Câmara
Para conter esse efeito, o relator no Senado, Esperidião Amin (PP-SC), acolheu uma emenda apresentada pelo senador Sergio Moro (União-PR), restringindo expressamente a aplicação das novas regras aos crimes cometidos no contexto dos atos golpistas de 8 de janeiro.
A Comissão de Constituição e Justiça decidiu, por maioria, que a emenda tinha natureza redacional — e não de mérito — o que impediu o retorno do texto à Câmara dos Deputados. A classificação foi decisiva para o avanço da proposta e foi mantida no plenário.
Mesmo com a limitação, o projeto segue alcançando Bolsonaro, condenado por tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, crimes enquadrados no mesmo contexto fático do 8 de janeiro.
O relator da proposta no Senado, Esperidião Amin (PP-SC), afirmou que o parecer busca corrigir distorções do texto aprovado pela Câmara para impedir que a mudança na dosimetria penal produza efeitos além dos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo ele, o objetivo é assegurar proporcionalidade sem abrir brechas para outros crimes.
—A intenção do projeto, desde a origem, sempre foi alcançar exclusivamente os condenados pelos eventos do 8 de janeiro. Não se trata de anistia nem de benefício penal amplo, mas de uma adequação para garantir gradação justa de penas— afirmou o senador.
Quanto a pena de Bolsonaro pode cair
Pelos cálculos apresentados durante a tramitação, a mudança reduz de forma significativa o tempo mínimo de prisão em regime fechado do ex-presidente. Atualmente, Bolsonaro teria de cumprir cerca de 5 anos e 11 meses nesse regime.
Com as novas regras, esse período cairia para aproximadamente 3 anos e 3 meses, permitindo a progressão para regimes mais brandos no início de 2029. Estimativas feitas ainda na Câmara indicam que, a depender da aplicação judicial, a redução pode chegar a pouco mais de 2 anos em regime fechado.
Defensores do projeto sustentam que a proposta não representa anistia, mas uma correção de distorções na aplicação das penas, ao evitar a soma automática de crimes praticados no mesmo contexto e permitir maior diferenciação entre líderes, financiadores e participantes sem poder de comando.
Governo dividido e reação anunciada
A votação expôs tensões internas no governo. Embora parlamentares do PT tenham atuado para tentar adiar a análise, os principais líderes evitaram protagonismo público. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), participou da votação e se posicionou contra o projeto. Já Jaques Wagner acompanhou parte das discussões, mas só se manifestou após críticas públicas da ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, que negou qualquer acordo envolvendo o mérito da proposta.
Na Câmara, o PT já anunciou reação jurídica. O líder da bancada, Lindbergh Farias (PT-RJ), afirmou que acionará o STF caso o projeto seja sancionado, sob o argumento de que houve mudança de mérito e violação ao devido processo legislativo.
Próximos passos
Com a aprovação no Senado, o projeto segue agora para análise do presidente Lula, que pode sancionar ou vetar o texto, total ou parcialmente. Mesmo em caso de sanção, a proposta pode também enfrentar questionamentos no Supremo Tribunal Federal, prolongando a disputa jurídica e política em torno das penas aplicadas aos atos de 8 de janeiro.