Toffoli desagrada PGR e BC no caso Master. Entenda
Ministro do Supremo ignora Gonet e mantém acareação, na terça-feira, entre diretor de Fiscalização do BC, Vorcaro e ex-presidente do BRB
Integrantes da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Banco Central (BC) reagiram com incômodo e classificaram como “atípica” a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de marcar para a próxima terça-feira, em meio ao recesso do Judiciário, uma acareação entre o dono do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do BRB Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino Santos.
A audiência deve ter como um dos principais focos a atuação do BC no processo de liquidação da instituição financeira.
Além da decisão de Toffoli ter sido tomada de ofício, ou seja, sem que houvesse pedido da PGR ou da Polícia Federal — responsáveis pelas investigações no inquérito sobre o Banco Master — o entendimento entre integrantes da Procuradoria e do BC é que seria necessário avançar mais na apuração antes da fase de acareações.
Na noite de quarta-feira, o próprio procurador-geral da República, Paulo Gonet, havia pedido a suspensão da acareação, sob o argumento de que a audiência seria “prematura”.
Ministros do STF classificam como “pouco usual” a decisão do colega Dias Toffoli, mas evitam fazer críticas diretas à determinação do magistrado — entendendo que o ministro está atuando dentro das suas competências.
Para uma ala de ministros, a convocação da acareação por Toffoli nesta fase da investigação não é comum, embora seja possível. Esses magistrados lembram, no entanto, que todo o caso envolvendo o Master apresenta características próprias e de alguma forma “inéditas”.
Defesa da autonomia
Outra ala de ministros do STF defende a autonomia de Toffoli para atuar no caso “como julgar melhor” e acredita que a convocação da acareação provavelmente foi fundada em elementos sólidos. Para esse grupo, o ministro já deve estar a par de todo o processo e, por isso, entendeu que a medida era necessária.
Uma acareação serve para confrontar versões. Os três serão ouvidos porque Vorcaro tentou vender o Master para o banco BRB, estatal do governo do Distrito Federal (DF), em operação vetada pelo BC em setembro. Dois meses depois, Vorcaro foi preso, e o BC decretou a liquidação do Master em meio a suspeitas de operações fraudulentas na casa de R$ 12 bilhões. Até então, o caso estava na primeira instância da Justiça. No fim de novembro, o banqueiro foi solto, e a defesa pediu que as investigações passassem ao STF. A medida foi determinada por Toffoli em 3 de dezembro após a PF encontrar um documento que citava uma negociação imobiliária de Vorcaro com um deputado federal.
Como o STF assumiu o inquérito há menos de um mês, investigadores avaliam que o ideal seria colher mais elementos antes de confrontar as partes envolvidas.
Segundo interlocutores do STF, Toffoli quer esclarecer se houve demora para decretar a liquidação do banco, quando o BC tomou conhecimento das suspeitas sobre operações do Master, quais medidas foram adotadas na fiscalização do mercado de títulos bancários e identificar eventuais responsáveis por falhas no processo.
Na semana passada, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, afirmou que a instituição estava à disposição da Corte. Aquino, o diretor que será ouvido, não é investigado.
Na opinião de um ex-diretor do BC ouvido em caráter reservado pelo blog da colunista Míriam Leitão, a acareação é “completamente descabida”, pois expõe o diretor da autoridade monetária, pode constranger e intimidar o trabalho técnico da fiscalização e coloca em pé de igualdade o fiscalizado e o fiscalizador.
Na avaliação de Gustavo Sampaio, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), a decisão de Toffoli tem respaldo legal, mas há controvérsia pelo fato de ainda não se tratar de um processo penal propriamente dito, com denúncia aceita, mas de uma investigação em curso. Nesta fase, o juiz atuaria mais como responsável pela supervisão e pelo controle da legalidade dos atos investigativos em vez de liderar pedidos de produção de evidências. De qualquer forma, ele não vê ilegalidade:
— Para muitos juristas, há base legal para essa atuação, já que o magistrado é o destinatário final da prova e pode determinar diligências quando entende que os elementos reunidos não são suficientes para esclarecer os fatos.
Tradição e distorção
Fernando Augusto Fernandes, doutor em Ciência Política e advogado criminalista em processos no STF, avalia que, embora a decisão de Toffoli siga a tradição do processo penal, pode gerar distorções, pois o ministro acaba atuando como quem impulsiona a investigação, e não apenas como quem fiscaliza se o processo está sendo conduzido dentro da lei.