Negros querem reconhecimento do seu lugar na arte
Debate entre artistas e público no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães trouxe à tona uma pergunta essencial: "Onde estão os negros na arte?"
Violentados de diversar formas ao longo da história, os negros são ainda vítimas constantes de uma agressão em particular: a invisibilidade. Ora, quem tem seus direitos limitados, se torna obviamente escanteado pela supremacia branca. Não é diferente no panorama das artes, onde para um negro entrar e permanecer no mercado e nas instituições legitimadas por ele da mesma forma que os brancos é tarefa hercúlea. "A história da arte brasileira tem seus negros desde o século 17", disse Carlito Person, negro, artista visual e diretor da Galeria Janete Costa.
Carlito foi mediador de um debate ocorrido no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), nesta semana, promovido pela revista Continente. O debate girou em torno de uma pergunta essencial: "Onde estão os negros na arte?". Participaram do evento os artistas negros Ana Lira, Bia Rodrigues e Carbonel.
Carlito citou o livro "Negros Pintores", uma coletânea de artistas do século 19, que inclui nomes como Benedito José de Andrade, Arthur Timotheo, Firmino Monteiro, Rafael Pinto Bandeira. Já ouviu falar deles? Se fizer uma busca no Google, verá que não será pela falta de talento que eles são desconhecidos da maioria. Mas sim por serem negros. "A biografia é bem resumida, com apenas 59 páginas, o que já mostra uma invisibilidade", aponta.
Artista visual e fotógrafa, Ana Lira criou um trabalho que a fez pensar nessa questão do lugar onde o negro é 'colocado' na arte, vivendo sempre à margem. Foi na obra "Não-Dito", exibida na Bienal de São Paulo de 2014, em que Ana fotografava as intervenções das pessoas em cartazes de propagandas políticas. "Queria inscrever o projeto em um edital. Só que sempre havia uma cláusula alertando que eu, por ser artista negra, tinha que tratar de questões de raça!", recorda.
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Começou uma batalha para acordar os elaboradores de editais. Como um artista pode falar do que o inquieta se ficar preso a esse filtro limitador? Parece uma maneira, mais uma vez, de segregar o negro a um posto específico dentro do panorama artístico. "Há filtro na técnica, na temática, no custo financeiro...", aponta Ana.
Outra de suas reflexões a levaram a discutir o espaço periférico, físico e ideológico, para onde o negro é frequentemente empurrado. Na exposição "Agora Somos Todxs Negrxs?" Ana pintou a frase "Que bocas alimentam fé em consumidor corpos que levam fumo?", em uma parede externa do espaço do evento. "É muito fácil falar da boca de fumo se referindo aos bairros de periferia. Nessa frase, existem vários sentidos: a boca fala de discurso, pregação, diálogo equivocado. Já o fumo é levado no corpo, na carne, no dia a dia", esclarece a artista, acrescentando que a escolha pelo espaço externo vem do fato de as galerias não serem frequentadas nem ocupadas por quem Ana desejaria que essa frase atingisse. "Os negros na arte estão na rua", sentencia.
No cubo branco que representa a galeria, segundo Bia, o negro não entra. Não que o problema seja querer se inserir ali, já que as instituições estão falidas e a rua é cheia de possibilidades. Mas é uma simples questão de escolha. A artista se diz uma exceção na arte não porque decidiu que assim o fosse. "Sou mulher, negra e trabalho com arte e tecnologia", diz. Para o grafiteiro Carbonel, a realidade não é diferente. "Quem é artista no Recife e não é figurinha carimbada sabe que é f*. A passagem de ônibus é cara; quando a bike fura o pneu, você leva ao borracheiro e o cara pensa que você vai roubar...", lamenta.
Convidado a expor na Bélgica, certa vez, Carbonel foi inquirido pela polícia e só viu seus pares negros na mesma situação. Ao entrar no País, teve que se contentar em viver com 15 euros por dia, como se fosse obrigação sua agarrar aquela oportunidade com unhas e dentes, pois estava sendo dada a um negro. "Quantos artistas negros têm condição de bancar uma exposição? Não ganhamos o mesmo que artistas brancos", completa Ana. O que ela recebe é investido em outras produções. "E ainda há quem diga que temos que nos contentar com o que nos é oferecido, com as brechas, os buracos. Não!", completa Ana.