Lute como uma garota! Lute como uma mulher!

Direto da África, a colunista Carla Batista recomenda livros que ajudam a entender a causa feminista

Livro Lute como uma garota - divulgação

Voltando aos livros que podem ser educativos, “Lute como uma garota – 60 feministas que mudaram o mundo”, lançado esse ano no Brasil, é uma leitura leve e interessante. Não só para leigos/as ou novas gerações de feministas. Para aquelas de larga trajetória também. Nele tive acesso a ativistas sobre as quais nunca tinha ouvido falar. Muitas das quais são referência na ação contra o racismo e o sexismo, contemporâneas de Angela Davis e Bell Hooks, nossas conhecidas ainda que com limites de acesso ao que produziram. Pra vocês terem uma ideia, o primeiro livro da Angela Davis que foi publicado no Brasil saiu em 2016. Temos muito o que desvendar e aprender sobre a trajetória e o pensamento das mulheres, de todos os lugares, de todos os períodos históricos.

Como afirmado no subtítulo, o livro apresenta perfis de 60 mulheres que, para as autoras, são consideradas feministas. Faço a ressalva porque muitas são apenas celebridades ou mulheres que se destacaram na sua área de atuação: artes, ciências, show business. Algumas foram desbravadoras. Não que isso seja pouco, mas não faz delas necessariamente feministas. A jornalista Laura Barcella, autora da publicação original, diz que selecionou aquelas que foram importantes para a sua própria formação e que cada uma de nós pode definir qual é o seu feminismo. Reconhece que nem todas são identificadas ou se auto-identificam como tal, mas que foram pessoas que mudaram o mundo ao seu redor e para ela é isso que importa.

A maioria é norte-americana. Na publicação pude saber, por exemplo, um pouco mais sobre a multiartista e ativista Maya Angelou, o que me direcionou a um documentário sobre sua vida. O livro pode ser isso: um guia para novas descobertas, a partir das identificações que forem sendo feitas na leitura.

Confira o vídeo aqui:



Quinze brasileiras complementam a versão nacional. Acredito que para torná-la mais atraente aos/às leitores/as locais. Chiquinha Gonzaga, outro exemplo, me surpreendeu positivamente pela liberdade como viveu sua vida. Dela conhecia a excelência musical, nada mais. Entre as brasileiras estão também as grandes Sueli Carneiro e Eleieth Saffioti e a nova geração representada por Djamila Ribeiro. Cada uma das minibiografias veio acompanhada de novidades. Cada uma está apresentada a partir de alguns indicativos: por que a biografada merece a fama; país de origem; seu legado; sua história; suas grandes realizações; além das citações que aparecem ao início e final de cada perfil.

Fernanda Lopes, também jornalista, foi a responsável pelas biografias das brasileiras, que estão um pouco mais detalhadas e coerentes com os sub-títulos indicativos. Laura, quando se refere às principais realizações de cada uma, traz muito mais informações sobre outras pessoas do que sobre a própria biografada. Exemplifico: quando ela se refere a Simone de Beauvoir diz que “uma manchete de jornal bradou: Mulheres, vocês devem tudo a ela!”. Ora, não precisávamos de uma manchete de jornal para reconhecer o legado de Beauvoir, muito menos de que ela fosse amiga de “muita gente célebre, desde Che Guevara e Albert Camus até Kate Millet”. A vida e obra de Simone falam por si.

Já Pauli Murray, ativista dos direitos civis e LGBT, tem como uma de suas realizações ter sido grande amiga de Eleanor Roosevelt, com quem manteve longa correspondência (sic)! Realizações existem se forem reconhecidas como tal. Mas o que a autora elege para determinar como digno de destaque pode ser menos significativo do que a obra de cada uma das mulheres em si, além de muito determinado por um outro que não parece ser necessariamente o mais indicado para referenciar a obra de uma feminista. Seria mais ressaltar o que aportaram para o pensamento, organização e lutas que levaram à transformação social. Mas, isso não diminui em nada o bacana que livro é! Principalmente se pensamos que ele está direcionado à juventude.

Dicionário de Mulheres do Brasil – 1.500 até a atualidade - Crédito: divulgação

 Para aquelas pessoas que querem ampliar o conhecimento sobre as brasileiras, ficam como sugestões dois trabalhos dos historiadores Schuma Schumaher e Erico Vital Brasil que, a partir de um vasto trabalho de pesquisa, foram consolidados no “Dicionário de Mulheres do Brasil – 1.500 até a atualidade”, com cerca de 900 verbetes, e “Mulheres Negras do Brasil”.  

Mulheres Negras do Brasil - Crédito: divulgação

Um outro livro “Mulheres no Poder: Trajetórias na Política a partir das Sufragistas do Brasil”, este de Schuma Schumaher e Antonia Ceva, relata a trajetória daquelas que lutaram pelo direito ao voto e das que ocuparam postos no Legislativo, Executivo e Judiciário. Não sei se todos estão acessíveis nas livrarias, porque não são publicações recentes. Mas podem ser encontrados em sebos virtuais, por um preço acessível. Eu fiz a pesquisa. Além de estarem em muitas das bibliotecas públicas. 


Mulheres no poder - Crédito: divulgação

Todos esses livros falam de histórias de vidas que merecem ser (re)conhecidas por você, por filhas/os, alunas/os, etc. Para elas, conhecer mais sobre a vida de mulheres que apenas começaram a ser visibilizadas. Para eles, saber que as mulheres também fizeram e fazem parte da nossa História. Para elas, pode ajudar a se sentirem parte dessa História e com responsabilidade de construí-la. Para eles, talvez ajude a se sentirem menos onipotentes e mais abertos ao compartilhamento e colaboração. Em outras colunas falaremos mais a respeito de como lutam as garotas! 

Aqui na África do Sul, foi mais uma semana com tributos a Winnie Mandela

* Carla Gisele Batista é historiadora, pesquisadora, educadora e feminista desde a década de 1990. Graduou-se em Licenciatura em História pela Universidade Federal de Pernambuco (1992) e fez mestrado em Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia (2012). Atuou profissionalmente na organização SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia (1993 a 2009), como assessora da Secretaria Estadual de Política para Mulheres do estado da Bahia (2013) e como instrutora do Conselho dos Direitos das Mulheres de Cachoeira do Sul/RS (2015). Como militante, integrou as coordenações do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Articulação de Mulheres Brasileiras e da Articulación Feminista Marcosur. Integrou também o Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos das Mulheres (Cladem/Brasil). Já publicou textos em veículos como Justificando, Correio da Bahia, O Povo (de Cachoeira do Sul).


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