Crítica: 'Aos Teus Olhos' faz retrato incerto sobre pedofilia e linchamento virtual
Bastante premiado no Festival do Rio 2017, "Aos Teus Olhos" apresenta Rubens (Daniel de Oliveira), professor que é acusado de pedofilia e sofre acusações nas redes sociais
Há uma certa expectativa sobre um filme que propõe retratar linchamento virtual e pedofilia. Primeiro, o expectador se arma, tenso: tem todos os motivos para desconfiar de cada palavra dita, para hesitar diante das atitudes de qualquer personagem. Depois, espera uma certa discussão a ser abordada, uma reflexão maior do que a história em si.
Esses são alguns dos sentimentos que perpassam a mente antes e durante a exibição de “Aos Teus Olhos”, filme nacional, dirigido por Carolina Jabor, em cartaz nos cinemas e destaque no Festival do Rio 2017, tendo sido premiado com os troféus de Melhor Roteiro, Melhor Ator (para Daniel de Oliveira), Melhor Ator Coadjuvante (Marco Ricca) e Júri Popular.
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“Aos Teus Olhos” se lança no desafio de contar uma história extremamente delicada. O filme apresenta Rubens (personagem de Oliveira), professor de natação que dá aula para a turma infantil e que acaba caindo em um furacão de acusações quando um de seus alunos o acusa de ter lhe dado um beijo na boca.
Levada pela revolta perante a falta de ações do clube onde o professor trabalha, a mãe da vítima decide compartilhar, através das redes sociais, a denúncia, levando a uma revolta geral em busca de justiça. É daí que vem a hesitação para com o filme: qualquer passo em falso poderia acabar em uma interpretação errada e uma justificativa para defesa de atos de pedofilia.
O longa faz um bom trabalho ao mostrar a gigante bola de neve que se forma na vida de Rubens: detalhes que antes passavam despercebidos começam a ser vistos como provas de sua perversão, seja uma foto em que posa ao lado de uma aluna ou a sunga de um aluno que levava na bolsa.
Os ataques parecem não ter fim e começam a levantar questões ora preconceituosas (sobre sua orientação sexual, por exemplo), ora desconfiadas (sobre seu comportamento liberto e carinhoso). É tudo cuidadosamente construído para provocar a dúvida em quem vê — os planos focados em um toque entre o professor e uma criança, a conversa de teor machista que Rubens tem com um amigo — e levar a reflexões sobre preconceitos.
A impressão que fica é que diversas perguntas foram jogadas para o telespectador, mas que a diretora optou por não se posicionar. Um caminho fácil e pouco ousado que quebra as expectativas de quem esperava que a discussão fosse ser abordada nas telas, e não apenas para além delas. É incerto se o longa pretendia julgar a sociedade por atos punitivos precipitados ou se apenas relativizou pedofilia. No fim, cabe a interpretação de cada um — e isso é um tanto alarmante visto o teor da história.
Trilha sonora
“Aos Teus Olhos” peca, sobretudo, em sua trilha sonora: o filme provoca uma sensação agoniante de barulho constante ao apostar em sons graves para incrementar o clima de angústia (são esses os únicos sons, inclusive, que compõem a trilha). É uma medida desnecessária, visto que a narrativa é tensa por si só, sem a necessidade de poluí-la em uma tentativa de provocar uma maior inquietação.
Cotação: Bom