Padre Cosmo viaja a Roma em busca de Maria

Aos 49 anos, padre Cosmo deixou a Igreja Matriz Nossa Senhora da Paz, em Afogados, Zona Oeste do Recife, para um novo desafio: cursar Mariologia, na Itália. Carismático e respeitado pelos fiéis, o religioso também ganhou fama como padre exorcista. Ele per

Padre Costmo - Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

“Descobrir Maria é descobrir o próprio Cristo.” É com essas palavras que padre Cosmo define o amor que tem à mãe de Jesus, ou só Maria de Nazaré, como é conhecida pelos fiéis católicos. Amor este que surgiu quando ele ainda era criança e que só hoje, aos 49 anos, transformou-se na sua maior motivação para deixar a atividade como pároco na Igreja Matriz Nossa Senhora da Paz, em Afogados, na Zona Oeste do Recife, após quatro anos dedicados ao ofício no local. E o sonho de conhecer mais sobre a vida da santa está bem perto de virar realidade: às 23h da próxima quinta-feira (2), ele parte da capital pernambucana com destino a Roma, na Itália. Será na Pontifícia Facoltà Teologica Marianum de Roma, menor faculdade do mundo, que padre Cosmo cursará Mariologia durante quatro anos, divididos entre mestrado e doutorado. É a primeira vez que ele faz uma viagem longa para fora do Brasil.

As aulas começam no dia 8 de outubro, mas a ida dois meses antes é para que o religioso se adapte à nova realidade e também coloque em prática a língua italiana, estudada no quarto onde ainda mora, nos fundos da igreja. Ele é um dos 84 alunos matriculados na instituição de ensino, situada na Viale Trenta Aprile, em Trastevere, um dos bairros turísticos de Roma. “Acho que foi minha mãe que passou essa imagem de Maria de maneira muito forte para mim, desde quando eu era muito pequeno. As pessoas sabem dela pela religião, mas são poucos os que se aprofundam na sua história. É meu sonho saber mais sobre ela”, conta. Um sonho que custou a acontecer. Apesar de ser um desejo antigo, a ida a Roma será possível graças ao dinheiro arrecadado com a venda do seu livro “A força da oração”, exemplar que reúne cerca de 80 orações e teve sua terceira edição lançada na última quarta-feira, na Livraria Paulinas, no Centro do Recife.
Parte do dinheiro foi doada a Rádio Olinda, que é da Igreja Católica e passa por dificuldades financeiras, e o restante servirá para pagar o curso e o modesto alojamento que encontrou para morar mais próximo da faculdade. Não será uma vida fácil, prevê o padre. Mas as expectativas são boas, ao ponto de serem maiores que qualquer medo ou empecilho que surgir pelo caminho. “Estou emocionado e também nervoso. A sensação é de estar nascendo uma nova vida para mim. Sei que vou sentir muita solidão porque tenho a impressão que as pessoas de lá (de Roma) são um pouco fechadas. Mas, não há glória sem sacrifício”, reconhece o religioso. Esses quatro anos em Roma, diz, serão necessários também para reflexão.

Sob forte comoção, a Missa da Cura, celebrada todas as quintas-feiras na Igreja Matriz Nossa Senhora da Paz, teve o padre Cosmo à frente pela última vez no dia 26. O novo pároco, padre Caio Duarte, toma posse neste sábado (28), na presença do arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido.

Sobre padre Cosmo
De família simples e humilde, Cosmo Francisco do Nascimento nasceu na cidade de Aroeiras, na Paraíba, no dia 27 de junho. Desde cedo, aos 5 anos, já falava em casa o seu desejo de ser padre. Cosmo tinha um santuário e gostava de chamar os irmãos para celebrar missas. No dia 19 de março de 1997, com quase 28 anos, realizou o seu primeiro maior sonho: foi ordenado padre.

Desde então, seu caminho religioso aumentou. Trabalhou na Paróquia de Santa Terezinha, em Bonanza, no Agreste pernambucano e, em seguida, na de São Pedro Mártir, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife. Depois, comandou por dez anos a Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, no bairro de Afogados. Em 2009, foi suspenso das atividades de pároco por sua abordagem tida à época como espírita, nas celebrações. Voltou a assumir uma paróquia em 2011 e terminou seu legado na Igreja Matriz Nossa Senhora da Paz, no bairro de Afogados.

A igreja de Nossa Senhora da Paz tornou-se pequena diante da quantidade de fiéis que tomaram o templo para acompanhar a última Missa da Cura de padre Cosmo. Não havia espaço para todos. A reportagem acompanhou uma das últimas celebrações do pároco, no dia 12 de julho. E o cenário não foi diferente. A superlotação sempre se fez presente nas celebrações do religioso.

O clima descontraído durante as missas, misturado ao carisma e à disposição com a qual ele escuta cada fiel na comunhão ou quando lhe pedem uma benção, torna-o diferenciado, segundo os fiéis que o acompanham. Da mesma forma, é unânime o sentimento de tristeza em vê-lo partir para Roma. “Há oito anos, perdi meu único filho homem num acidente de carro. Foi o momento em que mais precisei de força e padre Cosmo, com toda a sua bondade, não me deixou cair em nenhum momento. Ia para a minha casa quase que todos os dias dar o conforto que eu necessitava. Rezava e falava o que precisava escutar. Devo muito a ele”, desabafou a aposentada Maria Cristina Roberta Maia, 59 anos.

Histórias de devoção

Histórias de fé e transformação também envolvem o nome do religioso. O casal Rosemere e Adalberto Arruda seguia outra doutrina religiosa. Mas os caminhos mudaram de rumo depois que o filho deles, Micael José, de 6 anos, viu, segundo o casal, a imagem de um padre antes de sofrer de adrenoleucodistrofia, doença rara que atinge o sistema nervoso e compromete as capacidades de falar, interagir, andar. A aparição, acreditam os pais, representava o futuro conhecimento do padre Cosmo. “Quando Micael viu um padre ficamos sem entender porque não havia ninguém. E nenhum médico dava o diagnóstico do seu problema de saúde. Só depois de conhecer padre Cosmo, foi revelado qual era a doença”, relembra Adalberto. “Quando começamos a frequentar as missas, Micael passou a fazer alguns movimentos na mão. Poucos, mas já foi uma grande vitória”, disse a mãe dele.

Nas celebrações, a cada hóstia compartilhada, Cosmo recebia um gesto de gratidão ou de ternura. Um abraço, um beijo, um agradecimento. “Não é idolatria. É amor. Recebemos a notícia (de que ele vai a Roma) com tristeza, mas, ao mesmo tempo, estamos felizes por ele. Porque é um sonho que ele quer realizar. Mas, ele deixará um vazio muito grande na paróquia. Tenho fé de que ele poderá voltar qualquer dia e ser o meu padrinho de crisma”, acredita a aposentada Gilvanete de Oliveira, 58. No dia da missa, ela levou um retrato da sua família “para pedir saúde e bênçãos”.

 Gilvanete também carrega uma boa história de fé. Numa missa, em maio deste ano, o padre benzeu uma rosa e disse que a primeira pessoa que a notasse levaria a flor e ganharia uma bênção. “Quem notou foi uma amiga minha que, há nove meses, sofria com as sequelas da (síndrome de) Guillain-Barré. Ela passou a andar e mexer as mãos uma semana depois”, disse Gilvanete. 

 

Entrevista  | Padre Cosmo Francisco do Nascimento (ex-pároco da Igreja Matriz Nossa Senhora da Paz )

Ao retornar de Roma, pretende voltar à paróquia?
Eu disse a dom Fernando (Saburido) que não quero mais paróquia. Estar como pároco foi uma temporada na minha vida. Quero ser disponível para o serviço pastoral na igreja. Paróquia fixa requer muito compromisso e eu não tenho mais condições de corresponder a tudo. O propósito que Deus quer para a minha vida é outro. Mas claro que, se o bispo precisar de mim, deverei obedecê-lo. Eu não me pertenço, sou de Deus e da igreja.

Você tem fama de padre exorcista. Se enxerga assim?
Com autorização do bispo, faz-se faculdade para exercer esse tipo de trabalho na igreja. Mas, como tiveram várias situações em que as pessoas se apresentaram a mim com sérios problemas espirituais, eu fui ousado ao tomar a decisão de fazer esse trabalho para libertar as pessoas. Daí, peguei a fama de exorcista. É porque, como padre, sempre me senti responsável em acolher quem recorresse a mim.

Quais lembranças leva dos 20 anos como padre?
Muitas experiências boas. Muitas lágrimas, mas muitos sorrisos também. Muita gente está triste, pedindo para eu não ir (a Roma). Outros pensam que o bispo me tirou, mas eu quero deixar bem claro que fazer o curso foi uma escolha minha. A cada dez anos temos direito ao ano sabático e estou com dois (anos) acumulados. Preciso desse tempo. Estou muito cansado.

Qual sua mensagem para os fiéis?
Que rezem mais e não desanimem diante das atribulações. A vida é uma caixa de surpresas, mas quando confiamos em Deus, a gente não fica só. É importante ter essa confiança para superar qualquer dor e tristeza. A outra mensagem é que a gente não é daqui. Viemos para passar uma temporada. Só no céu vamos nos eternizar, e no coração dos que amam a gente.