Crítica: 'O Doutrinador' traz policial que mata políticos corruptos
Baseado em HQ criada em 2013, durante os protestos que ocorreram no Brasil, longa-metragem trata de forma simplificada de temas delicados do Brasil atual
Alguns dias depois da eleição do novo presidente, durante um processo eleitoral marcado por debates sobre corrupção e violência, estreia "O Doutrinador", em cartaz a partir da quinta-feira (1), filme nacional em sintonia perversa com esse período.
O personagem do título é Miguel (Kiko Pissolato), um policial que por vingança começa a matar políticos corruptos. Dirigido por Gustavo Bonafé, o longa-metragem é baseado no quadrinho de Luciano Cunha, criado em 2013, durante os protestos que ocorreram no Brasil.
Um dos problemas do filme é a maneira simplificada como trata a delicada situação do País. Há certos momentos que replicam o que ocorre na vida real (políticos que mentem para a população, que fazem acordos milionários para aprovarem seus projetos, que usam o nome de Deus para conseguir votos e enganar eleitores), mas tudo parece tender mais para a caricatura e uma ideia banal de entretenimento do que para a reflexão crítica sobre eventos importantes da história recente do Brasil.
Outro problema é o próprio personagem principal, o Doutrinador, um homem da lei que comete uma grande quantidade de assassinatos ao longo do filme. Mata políticos, seguranças e capangas. Tenta matar também inocentes que aparecem em seu caminho. Tudo em busca de sua vingança pessoal. Parece menos um filme de ação que se posiciona criticamente em relação ao Brasil de hoje, como ocorreu em "Tropa de elite 2", e mais um filme de gênero baseado vagamente em situações reais, distorcendo perversamente essa realidade em busca de diversão.
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Não fica inteiramente claro o ponto de vista dos realizadores sobre essa ideia de um vingador justiceiro, um homem que na verdade está, em seu processo de luto, à beira de um colapso emocional e deveria ser urgentemente afastado de seu trabalho. O Doutrinador é tratado como um herói, alguém que está supostamente ajudando o Brasil. Um policial que na sua fúria por retaliação atinge também inocentes, uma peça de ficção perigosa nesse Brasil atual.
Enquanto filme de ação, "O Doutrinador" oscila entre pulsante, com uma proposta estética empolgante que o aproxima aos filmes brutos de ação dos anos 1980, e o amador. O roteiro tem pouca lógica, unindo e afastando personagens de forma abrupta; quando o Doutrinador leva um tiro, que atravessa seu ombro, no dia seguinte está no trabalho, normalmente. Além disso, ocorre, perto do fim, uma cena de explosão que é malfeita de um jeito talvez inédito no cinema comercial brasileiro, uma sequência cômica de baixa qualidade técnica.
"O Doutrinador" desperdiça uma boa chance de explorar o thriller político, gênero pouco visto no cinema nacional recente. Acaba achatando debates mais delicados sobre política e justiça dentro de uma história básica de vingança. O enredo ganhará uma sequência, no ano que vem, como uma série de TV - com os mesmos atores.
Cotação: regular