Menino de 12 anos que confessou assassinato no Pina não pode ser punido

Menino é apontado como autor de dois homicídios, além de ser investigado por outros crimes na comunidade Beira Rio, no Pina, Zona Sul do Recife.

Sede do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) - Arthur Mota/Folha de Pernambuco

Ao ser indagado pelo delegado Alaumo Gomes o que sentia após tirar a vida de uma pessoa, D.M.B.C., de apenas 12 anos, afirmou: “Não sinto nada. Durmo tranquilo”. Ele é apontado como autor de dois homicídios, além de ser investigado por outros crimes na comunidade Beira Rio, no Pina, Zona Sul do Recife. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, diz que menores de 12 anos são considerados crianças e, portanto, inimputáveis penalmente. Isso quer dizer que ele não pode sofrer nenhum tipo de penalidade perante a Justiça. Foi ouvido e liberado, também por não haver flagrante. A mãe do garoto, que foi buscá-lo na noite da última terça-feira (22), quando foi levado por policiais militares ao Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP), afirmou à imprensa, aos prantos, que a culpa era dela. "Eu sou a culpada por tudo isso aí. Não queria que ele fizesse isso, não. Tentei dar conselhos. Vou tentar tirar ele daqui."

Nem o garoto, nem as pessoas ligadas a ele podem ser identificadas, conforme prevê o ECA. De acordo com a Polícia Civil (PC), D.M.B.C. assumiu ter participado, ao lado de outro adolescente de 14 anos, do assassinato de Paulo Alberto Gonçalves da Silva, de 68, no último dia 20, na comunidade onde mora. Paulo teria brigado com o menor de idade porque ele tinha mexido no carro dele. D.M.B.C. também seria responsável pela morte de José Ricardo Silva, de 44 anos, em dezembro do ano passado, que ameaçava entrega-lo à Polícia. Além de ser investigado por tráfico de drogas e assaltos na região. Seria com o dinheiro proveniente desses crimes que ele sustentava a família. A mãe, que estava na igreja quando o filho foi preso, explicou à imprensa que errou na educação do filho. "Eles passam fome lá. Tem hora que a gente não tem um pão pra comer. Meu filho fica com necessidade”, disse. E completou: “Não justifica.” Ao todo, são sete irmãos. O mais velho está foragido, também suspeito de homicídio e tráfico. O pai é alcoólatra.

O professor e psicanalista Pedro Gabriel Fonseca ressaltou que não pode falar sobre o caso em si porque não acompanha a criança de perto e não a ouviu. Mas explicou que pensamentos negativos, vontade de matar ou fazer coisas consideradas horríveis são da natureza de qualquer ser humano, seja de qual for a idade, de acordo com Sigmund Freud, médico neurologista e criador da psicanálise.

“Isso o que ele fez está no escopo de possibilidade de qualquer pessoa, seja criança, adulto ou idoso. Freud diz que um bebê pode fazer coisas horríveis. A pequena diferença é que a criança reside mais na esfera da fantasia e o adulto mais na da prática. Crianças podem ser capazes de praticar racismo ou matar. Muitas crianças desejam isso, a questão é que ela praticou”, afirma. No que diz respeito ao fato de o garoto não carregar o sentimento de culpa, Pedro Gabriel explica que a culpa é norteadora. É um tributo que a pessoa paga para viver em sociedade. A falta de culpa demonstrada por D.M.B.C. pode ter diversas motivações.

“Pode ser sinal de uma estruturação perversa. E isso não é um juízo de valor, não quer dizer que ela é uma pessoa má. É uma estrutura da psicopatia, que pode ser neurótica e perversa. Ele precisa ser ouvido, acompanhado. Não podemos descartar também a possibilidade de ele estar mentindo. Não ter remorso o eleva ao posto de anti-herói, de pessoa corajosa. Demonstrar frieza, força. Isso pode apontar histeria porque ela pode ser uma criança psicótica”, revela. “Nem tudo o que se afirma em situações extremas como essa pode se ter confiança inabalável.”

O ECA prevê para qualquer ato infracional praticado por uma criança medidas como encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; acolhimento institucional; inclusão em programa de acolhimento familiar; colocação em família substituta; e ainda inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. Procurada para esclarecer sobre a liberação do garoto entre outros detalhes, a assessoria da Polícia Civil informou por meio de nota que as investigações seguem até a completa elucidação do crime e que nenhuma outra informação seria repassada.

A Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude do Estado de Pernambuco também foi procurada e informou que a decisão sobre medidas de atendimento socioeducativo para D.M.B.C é de responsabilidade da autoridade judiciária, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Em relação à situação de vulnerabilidade da família, é possível fazer o acompanhamento familiar através dos equipamentos municipais da Assistência Social: Centro de Referência da Assistência Social (Cras) ou Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas).