Conheça o peregrino palmeirense que sonha em conhecer os jogadores e reencontrar a mãe

Pobre, deficiente físico e órfão, Eduardo da Silva encontra diferentes formas de expressar amor pelo Palmeiras, que um dia sonha conhecer

Deputado federal Carlos Veras (PT-PE) - Lula Marques

O sol ainda está a pino quando Eduardo da Silva chega à parada de ônibus 70044, localizada às margens da BR-232, no Curado, Jaboatão, vestido com a camisa do Palmeiras de 1995, a preferida da sua extensa coleção de mais de 30 mantos alviverde. Ali é o ponto de partida para a via-crúcis até o Parnamirim, no Recife, onde todo santo dia bate ponto em sinais pedindo esmola. Antes de o coletivo aportar, porém, ele encaminha-se com uma sacola branca para a pequena área com sombra que restou no local e se apoia na pilastra em que estão desenhados vários corações verdes. A obra foi apenas a menos trabalhosa das dezenas que foram pintadas por todo o ponto. Todas levam a assinatura do orgulhoso palmeirense, de 42 anos, ainda mais feliz com o recente título brasileiro conquistado pelo time que ama. Orgulho pelo Verdão que também está estampado no skate, a sua “cadeira de rodas” coberta por adesivos e protegida na dianteira por um minúsculo porco, imponente, em que são conduzidas histórias e sonhos.

O equipamento se tornou o principal instrumento de auxílio para a locomoção de Eduardo, comprometida devido à poliomielite. Há cerca de dez anos, perambula pela cidade com a sua cadeira de (quatro) rodas paramentada, dada por um amigo de Gravatá, no Agreste. “Dava muito trabalho (conduzir a cadeira). Hoje em dia me acostumei com o skate. Ando pela pista, tudinho”, garante o torcedor, de fala alvoroçada e sorriso contido, salientando que o esforço também traz consequências. “Às vezes, o braço fica cansado. Quando o sangue esfria, o bicho pega”. No entanto, ele prefere não ficar se queixando das limitações físicas. Aceita essa condição de forma serena e madura. “Dou graças a Deus por ter nascido assim, até porque continuo com minhas pernas e mãos, e consigo ir pra todo lugar”.



Um desses passeios está guardado até hoje na memória. Ir à Arena de Pernambuco assistir ao jogo do Verdão contra o Sport, pelo Campeonato Brasileiro de 2015, foi a realização de um grande sonho. “Eu nunca tinha ido ao estádio. Lembro que o Palmeiras estava ganhando até o finalzinho, ai André (Sport) pegou a bola e fez o gol de empate. Foi 2x2 a partida e eu estava lá. O primeiro jogo de futebol que fui na vida, depois de completar 40 anos de idade. Fiquei muito feliz”, relembra o recifense, que teve a oportunidade de ir ao campo apenas mais uma vez, este no Arruda, também para um jogo do Palmeiras, só que no inesquecível Nacional deste ano, diante do Santa Cruz. Na ocasião, o Alviverde levou a melhor: 3x2 em cima da Cobra Coral.

A conclusão desta história teve desfecho inesquecível para os palmeirenses: o título da Série A até rendeu cortesias na barraca de um amigo. “Um rapaz torcedor do Sport, lá perto da UPA (do Curado II), perdeu uma aposta e teve que me dar bolo e refrigerante, daqueles de um litro. Porque antes de começar o campeonato, eu disse pra ele: o Palmeiras vai ser campeão. Ele não acreditou e resolveu me desafiar, mas se deu mal”.

Para celebrar a conquista, Eduardo planeja uma homenagem com o que mais gosta de fazer: demonstrando a paixão pelo clube através de desenhos. “Vou fazer um boneco com a taça de campeão brasileiro”, revela o “artista”, que começou a desenvolver os primeiros trabalhos em fevereiro, na parada de ônibus localizada em frente à UPA do Curado II. Ele desconhece, no entanto, que está sujeito à punição da Justiça pelo ato, uma infração ambiental com previsão de multa e até prisão. “Só quem reclama são corintianos e torcedores do Sport”, ameniza. “Pinto porque gosto muito do Palmeiras”.

A felicidade com o eneacampeonato brasileiro alviverde, contudo, ficou um pouco contida, confessa. Eduardo ainda não digeriu as saídas de dois dos responsáveis pela conquista, o técnico Cuca e o atacante Gabriel Jesus, que se transferiu para o Manchester City, da Inglaterra, garante ter no coração uma vaga em aberto para o tricolor Keno, já de malas prontas para o Porco.

Época de ouro

Além de objetos pessoais, a tal sacola branca citada no início do texto carrega boas lembranças. Uma das que guarda com mais carinho é uma revista especial sobre a época de ouro, nos áridos anos 1990, tempo em que a Parmalat entrou no futebol alviverde. Da época, o palmeirense tem as melhores recordações. Também pudera: o período rendeu ao Verdão dezenas títulos. Nenhuma delas, entretanto, se compara à conquista da América. “Ser campeão da Libertadores foi a realização de um grande sonho”, diz Eduardo.

Uma a uma, o palmeirense vai folheando as páginas - separadas pelos anos -, conta os títulos, relata os jogos inesquecíveis e aponta para os ídolos de cada elenco, um mais forte do que o outro. “Olha pra cá (braço), chega me arrepio”, avisa o torcedor ao mostrar o ex-lateral-direito Arce - peça fundamental daquele time campeão continental -, sem deixar de fazer, no entanto, a seguinte ressalva: “Edmundo foi o melhor dessa geração”.

Malabarismo de cada dia

Eduardo acompanhou os primeiros gols e títulos do Palmeiras em orfanatos, onde ficou até os 18 anos. Ver os jogos do Verdão pela TV era a maior distração do então garoto, abandonado pelos pais ainda na maternidade. A família de sangue jamais o acolheu, fato que não traumatizou o palmeirense. Pelo contrário. Aos 20 anos, começou a “montar” a sua trupe junto com a companheira, Márcia Cristina Rodrigues, hoje com 39 anos. Vinte e dois anos depois, o casal, que se conheceu em um abrigo infantil, já soma seis filhos, sendo cinco meninas e um menino. Parte deles reside em uma casa humilde no Curado I.

Sustentar esse tanto de gente com os trocados ganhos por Márcia mais um salário mínimo, valor da aposentadoria recebida por Eduardo, e ainda ter que pagar R$ 500 de aluguel - segundo informa - exige um enorme malabarismo, para não dizer impossível. Diante da situação, ele decidiu que o melhor caminho era seguir pedindo esmola. “Tem povo aí que ganha R$ 10 mil e reclama da vida. Eu recebo um salário e não reclamo. Dizem que é feio pedir dinheiro, mas feio é pegar o que é dos outros”, afirmou Eduardo, que diz ter estudado apenas até a 5ª série.

Sonhos e promessa

Apesar das séries dificuldades que Eduardo e a família enfrentam, dois dos seus maiores desejos não estão relacionados à aquisição de bens materiais. Um deles é conhecer os jogadores do Palmeiras, o outro conseguir um contato com a mãe. “Seria um sonho vê-la, mas não sei se já morreu. Meu pai também, não sei. No registro, não tem nem o nome dos dois”, lamenta o palmeirense, que faz uma promessa perante à equipe de reportagem. “Esse cabelo (ele não apara desde 2004) só vai ser cortado quando eu conhecer a sede do Palmeiras ou encontrar a minha mãe”.