Sangue tem poder: “Jesus” recupera audiência da Record apostando alto na selvageria
Emissora mergulha em um poço de sangue na trama da novela bíblica 'Jesus', com espancamentos, mortes, assassinatos
A violência nas histórias bíblicas faz com que filmes de ação pareçam longas infantis. A questão da culpa e, especialmente, do pecado, são sempre fundamentais e apresentam desfechos invariavelmente sanguinolentos. Por muito tempo, a Record retratou essa selvageria religiosa de forma mais sutil. Porém, em tempos onde o conservadorismo impera e ciente do apelo deste tipo de trama com seu público alvo, a emissora mergulha em um poço fundo de sangue em “Jesus”.
A cada novo capítulo, a trama escrita por Paula Richard, sob a supervisão de Cristiane Cardoso, fica cada vez mais “pesada”. São espancamentos, mortes, assassinatos e tudo cometido em nome da fé. A tática parece estar agradando os telespectadores do folhetim. Depois do fiasco de “Apocalipse”, a Record conseguiu novamente recolocar a novela principal de sua programação no patamar de dois dígitos de audiência. Com média de 10 pontos no Ibope, “Jesus” está longe de ser um sucesso retumbante como “Os Dez Mandamentos”, mas ao menos tira a emissora da irrelevância.
Embora seja protagonizada por um personagem masculino, quem manda mesmo nas principais cenas de “Jesus” são as mulheres. Na pele de Satanás, Mayana Moura consegue entregar um bom desempenho, apesar de um papel carregado de caricatura. Já Day Mesquita exibe segurança na pele de Maria Madalena, enquanto Larissa Maciel expressa a força de Cláudia com maestria e em contraste com o militarismo bobo de Pôncio Pilatos, de Nicola Siri. Da mesma forma que são valorizadas, as mulheres também são o alvo mais fácil da fúria contida nas passagens bíblicas.
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Cerca de um mês atrás, Laila, personagem de Manoela do Monte, foi a primeira a sofrer uma série de violências por conta de suspeita de ser adúltera. Mais recentemente, foi a vez de Judite, de Marcella Muniz, ser brutalmente assassinada por um grupo de homens em nome da honra do marido. As cenas são bem idealizadas e dirigidas, entretanto, em um país onde agressão doméstica é um problema gritante, as sequências soam fora de hora e desnecessárias. Não é a questão de mudar o que está nas parábolas, mas saber como mostrá-las.
Filtros para imperfeições
Embora a Record venda a ideia de que “Jesus” supera o custo de meio milhão de reais (R$ 500 mil) por capítulo, a trama é uma das produções bíblicas de longa duração mais simples da emissora. O bom gosto da direção de Edgard Miranda, entretanto, mascara a cenografia sem a suntuosidade necessária e a produção de arte pobre com bons recursos de câmera, além de filtros e desfoques que escondem imperfeições.
A única coisa que é impossível de atenuar é a atuação fraca de grande parte do elenco da trama. Sem o costume ou aptidão para o gênero épico, nomes como Ricky Tavares e Fernando Pavão variam entre o teatral e o robótico. Apesar da melhora gradativa e significativa, o próprio protagonista, Dudu Azevedo, não é lá um ator de muitos recursos cênicos. Foi uma escolha que resume muito bem o estilo amador com que a nova direção artística da Record vem “tocando” o setor de teledramaturgia.