"Lady Tempestade": festival traz ao Recife solo de Andréa Beltrão sobre advogada pernambucana
O espetáculo é inspirado nos relatos de Mércia Albuquerque, defensora de presos políticos durante a ditadura militar
Com programação gratuita, a 24ª edição do Festival Recife do Teatro Nacional traz 16 espetáculos inéditos à cidade, desta quinta-feira (22) até 30 de novembro. Na abertura, às 20h, a carioca Andréa Beltrão sobe ao palco do Teatro de Santa Isabel com “Lady Tempestade”, peça que guarda uma forte relação com a capital pernambucana.
Conhecida por seus papéis em produções como os seriados “Tapas & Beijos” e “A Grande Família”, a atriz de 62 anos conta em cena a história da advogada pernambucana Mércia Albuquerque. Durante a ditadura militar, ela atuou na defesa de presos políticos em vários estados do Nordeste, sofrendo as consequências de sua luta por justiça.
Escrita por Silvia Gomez e dirigida por Yara de Novaes, a trama é baseada nos diários escritos pela defensora entre 1973 e 1974. Após sua morte, em 2003, o material foi doado ao Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), no Rio Grande do Norte, e publicado posteriormente como livro, em 2023.
Na peça, Andréa Beltrão interpreta uma atriz, identificada no texto apenas como A. Ao receber os escritos de Mércia, a mulher fica impactada com os relatos sobre pessoas desaparecidas em meio à repressão militar. Sem saber no primeiro momento se deve se envolver com histórias tão fortes, ela acaba mergulhando profundamente nesses testemunhos de violência e coragem.
A encenação estabelece o tempo todo paralelos com o presente, incluindo um depoimento em áudio de uma mãe que teve o filho assassinado pela polícia em 2022. Para a atriz, a reação inicial de sua personagem reflete o nosso comportamento diante das tragédias cotidianas que chegam até nós.
“Toda a angústia, aflição e desespero dessa mulher que recebe o diário é o nosso sentimento também. De certo, esquecer nunca é uma boa opção para nada, mas uma certa dose de esquecimento também é necessária para a gente continuar vivendo. Se não, seríamos massacrados pelos nossos pensamentos mais tristes”, comenta Andréa, em entrevista à Folha de Pernambuco.
O espetáculo revela uma personagem histórica que, aos poucos, vem sendo reconhecida pela importância de sua atuação. “Ela ainda era uma professora primária quando encontrou Gregório Bezerra [líder comunista] sendo linchado pelo exército na porta de uma escola, em praça pública, com barras de ferro. Um quadro obsceno que mudou a vida dela. Agora, eu não sei se teria a coragem dela”, afirma.
Desde que “Lady Tempestade” estreou nos palcos, em janeiro do ano passado, o cinema entregou produções que também revivem a memória da ditadura militar, como “Ainda Estou Aqui” e “O Agente Secreto”.
“Acho que é um assunto que está no ar, talvez por causa da tentativa de golpe do 8 de janeiro. Com a peça, não tenho ambição de mudar ninguém, mas o legal desse ofício de contar histórias é tentar pensar dentro da cabeça do outro. Por mais que a gente discorde em muitos casos, há algumas coisas fundamentais que tocam a todos, como uma mãe desesperada por um filho desaparecido que não cometeu crime nenhum”, reflete.
A peça está sendo transformada em filme, em um esquema que Andréia chama de “guerrilha”: filmando com o celular e apenas cinco pessoas na equipe. Durante a curta temporada no Recife, ela deve aproveitar para captar material para a produção. “A gente pretende gravar em lugares como a Praça de Casa Forte e a Ponte da Torre, que a Mércia cita muito nos relatos. Vai ser uma experiência inesquecível trazer a peça ao Recife, como se fôssemos transportados no tempo”, celebra.
Serviço:
Abertura do 24º Festival Recife do Teatro Nacional, com “Lady Tempestade”
Quando: desta quinta-feira (20) até sábado (22), às 20h
Onde: Teatro de Santa Isabel - Praça da República, s/n, Santo Antônio
Ingressos gratuitos, com distribuição uma hora antes, na bilheteria, mediante a entrega de um quilo de alimento não perecível
Informações: @culturadorecife (Instagram)