Alceu Valença faz relato emocionado sobre o músico pernambucano Tito Lívio
Tito Lívio morreu nesta quinta-feira (23), aos 60 anos, possivelmente de infarto fulminante
Tito Lívio foi músico, cantor e compositor pernambucano. Ele faleceu ontem, aos 60 anos, depois de passar mal, em sua casa. A causa da morte não foi informada, mas amigos acreditam que ele tenha sofrido um infarto fulminante.
Nos últimos 20 anos, Tito já havia sofrido três infartos do miocárdio e estava fazendo acompanhamento médico. Morador de Olinda, o músico será velado na própria Prefeitura da cidade, no Salão Nobre, às 9h. O enterro será às 16h, no cemitério de Santo Amaro.
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Alceu Valença, em cuja voz ficou famosa a música "Arreio de prata", parceria de Tito Lívio com Rodolfo Aureliano, escerevu relato emocionado sobre a partida do amigo. Leia a seguir:
Tito por Alceu
"Ele era a elegância em pessoa. Educado, conveniente, sensível, engraçado espirituoso. Por sua cabeça não passava concorrência, inveja, maldade, rancor e outras mazelas que habitam corações e mentes de muita gente. Compunha musica, sozinho ou acompanhado de amigos leais. Cheguei a gravar uma delas em parceria com Rodolfo Aureliano. "Arreio de Prata" é uma verdadeira joia registrada no final da década de 70 no meu LP Cinco Sentidos.
Lembro de Tito Lívio no Posto 9 de Ipanema cantarolando "Casaco Vison", música que fala das noitadas inesquecíveis do Baixo Leblon. De repente, Tito sumiu do Bar Diagonal e voltou para Pernambuco. Daí em diante, quase não nos encontrávamos. A não ser nas quartas-feiras de cinzas, em Olinda, na saída do bloco Bicho Maluco Beleza, onde a gente batia apenas um papinho porque o “dono” do bloco tem que dar atenção a todos os malucos e convivas. O tempo passa em continuidade e eu começo a frequentar mais Olinda, cidade, como diz minha mulher, que me promove surtos criativos.
Comecei a escolher os atores para interpretar os papéis, até que um dia Charles Theone aparece em minha casa, acompanhado de Tito para ensaiar o papel que iria interpretar. Passamos uma, duas vezes as falas e Tito observando, calado. Yanê chega a nós dizendo que o almoço estava na mesa e eu convidei Tito Lívio para dividir as deliciosas guloseimas e acepipes. Tito Lívio disse que tinha acordado tarde e estava sem fome.
Então eu pedi para que ele, pelo menos, nos desse o prazer de sentar a mesa. Entre uma garfada e outra, olhei para a cara expressiva do amigo, sua fala grave e o sotaque do nosso Pernambuco profundo. Falei: -Tito pegue essa colher, encha de comida, leve a boca e depois fale com ela cheia, feito uma pessoa mal-educada. Ele me perguntou: Por quê? Respondi: -loucura de minha cabeça. Tito encheu a boca de arroz, farofa e feijão e eu lhe pedi para falar o que lhe viesse em mente. Daí ele começou um monólogo dizendo que era um calunga de caminhão. Era tudo o que eu queria! Bati a mão na mesa e lhe falei, sorrindo. -Está contratado!. Ele: -Pra quê?. Para o papel de Severino Castilho, no meu filme. Modéstia à parte, descobri o ator que ele trazia na alma. Quem viu a Luneta do Tempo ficou impressionado com aquele ator desconhecido.
O tempo passou e eu resolvi rodar um novo filme. Escrevi um grande papel para ele, mas nem cheguei a lhe falar. Queria fazer uma surpresa. Ontem à noite, estava trabalhando o roteiro e imaginei Tito interpretando o novo personagem que criei pra ele.
O cara botou pra quebrar no novo papel. Interpretação nota mil. Às 23 horas fechei o computador e senti uma tristeza tomar conta de minha alma. Cheguei a comentar com minha mulher. Hoje de manhã, soube que Tito Lívio havia falecido... A vida é cinema. Saudade".
Alceu Valença