Perícia judicial mostra que Gérard Depardieu sexualizou criança em viagem à Coreia do Norte
Laudo solicitado pelo advogado do artista mostra que ator francês fez comentários de cunho sexual sobre uma menina menor de idade
Mais um revés para Gérard Depardieu no processo que ele move contra a emissora France Télévisions e a produtora Hikari, por conta do episódio intitulado "La chute de l'ogre" ("A queda do ogro", em tradução livre) no programa "Complément d’enquête", exibido em dezembro de 2023, no canal France 2. De acordo com o jornal francês "Libération", um laudo pericial, finalizado em meados de maio, concluiu que o ator realmente fez comentários de cunho sexual sobre uma menina menor de idade, como afirmava a emissora pública.
No episódio do programa investigativo, o artista de 76 anos aparece ao lado do escritor Yann Moix durante uma viagem à Coreia do Norte, em 2018. Em meio a um passeio, Depardieu faz repetidas observações de teor vulgar sempre que encontra mulheres — num desses momentos, ele envergonha sua intérprete e tradutora com o seguinte comentários: "Eu peso 124 quilos. Sem ereção. Com ereção, tenho 126 quilos." Mas uma sequência, em particular, causou escândalo: a visita a um haras, onde, de acordo com a edição da France 2, ele teria feito comentários sexuais dirigidos a uma criança.
"Ele chega a sexualizar uma menina de cerca de dez anos", diz a narração do documentário. Em seguida, aparecem imagens de uma garota em cima de um pônei, enquanto se ouve Depardieu dizer: "Se ele trotar, ela goza". Mais adiante, ele afirma: "Muito bem, minha filhinha, continue. Olha, ela está se coçando ali".
Para o advogado do ator, Jérémie Assous, essa cena seria resultado de uma montagem "ilícita". No programa do locutor francês Cyril Hanouna, exibido em 19 de novembro de 2024, o advogado afirmou que, quando Depardieu faz comentários obscenos — especialmente a frase "se ele trotar, ela goza" — "não havia nenhuma criança no campo de visão dele". Segundo o advogado, o artista falava com uma mulher de 30 e poucos anos, que também estava no haras.
Como parte da ação judicial contra a France Télévisions e a Hikari, responsável pelo episódio exibido em dezembro de 2023, Assous conseguiu que fosse realizada uma perícia judicial para determinar se houve ou não uma montagem indevida com relação às imagens. A perícia cível ainda segue em andamento e tem sido marcada por trocas de acusações entre as partes.
Em outra ação judicial — a que envolve a atriz Charlotte Arnould, que acusa Depardieu de estupro e agressões sexuais ocorridas em agosto de 2018 —, o mesmo advogado também conseguiu que fosse feita uma perícia criminal das imagens citadas. Isso porque o episódio do "Complément d’enquête" foi citado no processo como indicativo da personalidade de Depardieu (a atração televisiva se refere a uma viagem que ocorreu poucos dias depois dos supostos abusos). O advogado aproveitou para, mais uma vez, questionar a edição do material. No entanto, essa perícia já foi concluída — e com resultado desfavorável ao ator.
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Sequência no haras
Esse laudo, entregue em 15 de maio de 2025, foi feito por um perito em "informática forense" ligado ao tribunal de apelação de Aix-en-Provence. A missão dada pela juíza responsável pelo caso envolvendo Depardieu e Arnould era a seguinte: “Determine se Gérard Depardieu fez comentários de conotação sexual direcionados a uma menina montada a cavalo ou a outra pessoa.”
Para isso, o perito analisou as trilhas de áudio de três fontes de imagem da sequência no haras, previamente sincronizadas por ele. "Entre os comentários analisados, identificamos falas de caráter sexual, que foram examinadas à luz das imagens disponíveis no momento em que foram proferidas", escreveu o perito.
Três voltas dadas pela menina no picadeiro chamaram atenção. Na primeira, enquanto a menina aparece diante do ator e de um homem que o acompanha (além de Yann Moix, identificado pelo perito como "H1"), Depardieu diz: "São enfermeiras que estão cantando? Belas vadias, acredite, você sabe, as bocet*s, elas não se depilam". Para o perito, nesse primeiro momento, Depardieu não se dirige à menina. "[Esses comentários] são provavelmente uma reação à exibição, num telão, de um coral de mulheres em uniforme", o que de fato aparece em algumas imagens brutas, como relata o "Libération".
Na segunda volta, a menina aparece do lado esquerdo da câmera, e Yann Moix comenta: "E a pequena, ali!" Depardieu, então, responde: "Mas a pequena é normal". Após alguns comentários depreciativos sobre um "gordo", ele prossegue: "Ah, muito bem, madame". Poucos segundos depois, diz: "Se ele trotar, ela goza". O homem ao lado responde: "A senhorita está apavorada, mas está de mocassim". Depardieu, então, completa: "Não, mas se ele a fizer trotar, ela fica molhada, ela goza".
'Do outro lado do picadeiro'
Segundo o perito, a frase "Muito bem, madame" parece se referir a uma cavaleira adulta. "Ela aparece neste momento, mas é possível que já estivesse visível antes". Pouco depois, porém, "H1 chama a atenção de Gérard Depardieu para a 'senhorita de mocassim'", como acrescentou o perito no relatório. A menina estava com sapatos baixos. Já a mulher adulta usava salto alto. E "enquanto H1 e Depardieu olham na direção da 'senhorita de mocassim', o ator faz comentários sexuais: 'Se ele a fizer trotar, ela fica molhada, ela goza'".
Na terceira volta, a menina volta a passar diante deles, e Depardieu diz: "Muito bem, minha filhinha, continue", seguido de "olha, ela está se coçando ali". De acordo com o relatório, "com todas as evidências disponíveis, esses comentários são dirigidos à única pessoa à frente de Depardieu que corresponde à descrição 'minha filhinha': a menina no pônei. A outra mulher está no extremo oposto do picadeiro".
Conclusão do perito: "A análise técnica permite afirmar que comentários de conotação sexual foram dirigidos a uma menina montada num pônei".
'Acusações mentirosas'
Procurado pelo "Libération" para comentar o laudo que ele próprio solicitou, Jérémie Assous, advogado que representa o ator, afirmou: "Na ausência de uma análise rigorosa dos arquivos brutos e originais — e não das versões editadas entregues pelo produtor —, o laudo pericial penal só poderia mesmo levar a conclusões erradas".
O produtor da Hikari, Anthony Dufour, rebate: "Entregamos, sim, todos os arquivos brutos de imagem e som, por meio de solicitação judicial, neste caso Arnould, no qual nem sequer somos parte ou acusados. Essa perícia, que eu mesmo estou descobrindo agora, foi feita a pedido do senhor Depardieu, sem que pudéssemos opinar ou mesmo ter acesso a ela". E conclui: "Sem surpresa, ficou evidente que Yann Moix e Gérard Depardieu mentem desde o início. Vamos obter reparação à altura das acusações falsas que enfrentamos há um ano e meio".
Na resposta enviada ao "Libération", Assous parece reconhecer que os arquivos brutos foram entregues: "Agora que temos posse dos arquivos originais, a prova das montagens ilícitas está formalmente estabelecida. Isso explica a recusa obstinada deles em fornecer os arquivos até então".
Problema: o perito judicial concluiu justamente o contrário — que o ator de fato dirigiu comentários obscenos à menina. Diante desse laudo negativo, o advogado de Depardieu pediu uma contra-perícia, que, segundo o "Libération", foi recusada. O artista recorreu da decisão. O advogado ainda afirma que solicitou o envio dos arquivos brutos "ao perito cível até a noite desta terça-feira (17)", no âmbito da outra perícia, ainda não concluída.

