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Bolsonaro de tornozeleira, Trump tarifando: quando o inimigo externo dá fôlego ao governo

Ex-presidente Jair Bolsonaro ao lado do presidente estadunidense Donald TrumpEx-presidente Jair Bolsonaro ao lado do presidente estadunidense Donald Trump - Alan Santos/PR/Arquivo

A imposição da tornozeleira eletrônica a Jair Bolsonaro ultrapassa o âmbito jurídico e inaugura um marco simbólico potente na política nacional. A medida do ministro Alexandre de Moraes, agora revelada, descreve acusações graves: tentativa de coagir o Supremo, obstrução de investigações criminais e, acima de tudo, uma articulação com agentes estrangeiros para interferir na justiça brasileira. O ex-presidente, portanto, passa a ser fiscalizado eletronicamente pelo Estado que tentou subverter.

Para a extrema-direita, contudo, esse ato se converte em combustível para o vitimismo institucional. Redes bolsonaristas já usam o episódio para reforçar narrativas de perseguição, inflamando um campo que se sente acuado e unido em torno de Alexandre de Moraes.

A tornozeleira em Bolsonaro é muito mais do que um monitoramento judicial tornou-se um estandarte simbólico: para alguns, a justiça se concretiza; para outros, o sistema se retrai.

De pronto, veio o golpe externo: o tarifão anunciado por Donald Trump começa a valer em pouco mais de duas semanas, punindo até segmentos do bolsonarismo econômico. Estranhamente celebrado por Eduardo Bolsonaro, o pacote tarifário expôs uma contradição profunda na retórica do nacional-populismo: o “Brasil acima de tudo” sendo sacrificado em nome de uma ideologia externa.

Quando Eduardo Bolsonaro publica agradecimentos ao tarifaço dos EUA, ficou claro que o discurso nacionalista vinha sendo eclipsado pelo interesse ideológico.

Surge assim para o governo Lula uma brecha estratégica inesperada. O governo vinha acuado por dificuldades institucionais e baixa aprovação; agora, pode retomar o protagonismo discursivo ao colocar-se como guardião da soberania nacional. E, diferentemente de antes, os focos de política pública começam a convergir para a dimensão geoeconômica.

A decisão de designar Geraldo Alckmin para dialogar com a indústria sobre os impactos das tarifas foi pontual e simbólica: o pragmatismo ganhou espaço numa agenda essencialmente técnica. Nesse ínterim, institutos passaram a apontar Lula como o nome mais associado à defesa do Brasil no cenário atual, ainda que de forma incipiente.

Foi a extrema-direita e não a esquerda que devolveu ao governo Lula a bandeira da defesa nacional.

Mas a pergunta que permanece é direta e urgente: o que está sendo feito para mitigar os efeitos do tarifaço, que começará a impactar a economia brasileira em poucas semanas? A resposta do governo precisa ir além da retórica e oferecer planos concretos: linhas de crédito para os setores afetados, negociações diplomáticas imediatas e estímulos que equilibrem os efeitos inflacionários.

Lula tem recorrido a um tom de enfrentamento em seus discursos. Fala como quem joga truco bate na mesa, provoca, desafia. Mas até no truco, quem grita "seis" sem ter na mão o zap ou o sete de copas corre o risco de blefar alto demais. Se o governo não tiver cartas reais para bancar essa aposta narrativa, o que parecia coragem pode rapidamente se desmanchar como um castelo de areia diante da maré econômica.

O blefe político só se sustenta quando há jogo para sustentar o grito. Do contrário, vira truco vazio e ninguém segura a virada.

*Elias Tavares é cientista político, especialista em comunicação eleitoral e marketing político.

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