CPI da Covid promete ser marco histórico
No início do século XX, o mundo passou pela pandemia da gripe espanhola, maior pandemia até a atualidade, quando estima-se que podem ter morrido 100 milhões de pessoas ao redor do Planeta. No entanto, hoje, os números registram mais de 3 milhões de óbitos mundiais, em decorrência da maior crise sanitária desde a gripe aviária em 1968, a Covid-19, que no Brasil já matou mais de 400 mil pessoas. Cem anos depois, o Senado Federal instaurou, nesta semana, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as condutas adotadas pelo Governo Federal para o enfrentamento da pandemia do coronavírus, em especial as ações relacionadas ao colapso do sistema de saúde do Amazonas e os repasses de verbas federais a estados e municípios.
A CPI é vista como a mais importante da história do Congresso e tem como maior alvo o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Principal desafio político do chefe do Executivo, o colegiado deve, a partir da próxima semana, convocar cinco ministros de Estado, quatro governadores, quatro prefeitos, 13 secretários estaduais e municipais de saúde e um integrante do Supremo Tribunal Federal (STF). Dos 209 requerimentos que ainda aguardam deliberação do colegiado, 134 são pedidos de convocação.
Outros 73 são de convite e apenas dois de informações. Além disso, um dos principais alvos da investigação é o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; os outros três que o antecederam à pasta, Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e General Eduardo Pazuello; e o presidente da Anvisa, Antônio Barra.
Após derrubar uma liminar da Justiça Federal, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) assumiu a relatoria do colegiado prometendo dar as respostas que a sociedade cobra. Nesta semana, o parlamentar apresentou o plano de trabalho em que elenca seis linhas de investigação que serão conduzidas pelos membros da comissão. O tópico tem potencial para atingir em cheio o governo federal, já que tratam das medidas consideradas mais polêmicas do presidente, por envolverem discursos negacionistas.
Com isso, a comissão vai investigar as medidas tomadas para promover o isolamento social, ao qual Bolsonaro é crítico, e a aquisição e distribuição de vacinas e insumos, que tardaram a serem comprados e entregues no Brasil. Além disso, o plano de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito trata da "aquisição e distribuição de testes e respiradores, a estruturação de leitos de UTI, distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e a estratégia de comunicação das ações de combate à pandemia". Um dos focos também será o atraso no cronograma do Plano Nacional de Imunizações (PNI), principalmente a lentidão e recusa para adquirir as vacinas Coronavac e do laboratório Pfizer - um dos principais alvos de críticas internas da Casa Alta ao Governo Bolsonaro.
Em contraponto, o Palácio do Planalto vem se articulando para blindar o presidente Bolsonaro nas investigações. Na tentativa de minimizar a responsabilidade do chefe do Executivo, o palco de disputa entre ministros palacianos tem ficado cada vez mais acirrado e os senadores governistas têm ficado desabastecidos de informações para usar como arma contra a maioria da CPI. Parlamentares aliados de Bolsonaro têm se queixado de não estarem sendo municiados com informações para atuar nas sessões do colegiado.
Assessores da Secretaria de Governo e ministros têm procurado os senadores para se colocarem à disposição, mas também há relatos de ruídos provocados pela disputa entre os ministros da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos. Também houve uma tentativa do Panalto de criar um canal de diálogo com o senador Renan Calheiros, conhecido pela postura de opositor do governo e crítico da atuação federal na pandemia. O objetivo era evitar um maior desgaste na imagem do governo federal. Contudo, as tentativas têm falhado.
Epidemias
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente a pandemia do novo coronavírus. A doença, que se assemelha a uma gripe e é causada pelo vírus da Covid-19, surgiu em Wuhan, na China, e se espalhou no mundo inteiro em poucos meses. No entanto, desde o início do século XX até hoje, o mundo vem sobrevivendo a doenças e acontecimentos seríssimos que levaram milhares de pessoas a óbito.
Conflitos políticos, como a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais e uma grande crise econômica como a de 1929, deixaram consequências além das crises sanitárias. Em 1918, ocorreu uma pandemia da Gripe Espanhola. Essa, pode ter matado entre 50 a 100 milhões de pessoas no mundo e é considerada a mais mortal da história, para um período tão curto. Já nos anos de 1957 e 1958, mais uma vez um vírus matou milhares de pessoas, a Gripe Asiática. A doença, que surgiu na China, provocou problemas pulmonares e teve como principais vítimas pessoas idosas. Pode ter deixado um saldo de mais de 1 milhão de mortos.
Outra pandemia de vírus foi a Gripe de Hong Kong, em 1968. O vírus H3N2 é da família dos Influenza. Foi identificado na China, em julho de 1969 e se espalhou por vários continentes. Chegando também ao Brasil. Até hoje estima-se que o número de vítimas fatais esteja entre 700 mil e 1,2 milhão.
Nos anos 80, ocorreu o início da epidemia da AIDS no Brasil. De 1980 até os dias atuais, em 41 anos, o vírus do HIV causou 349.934 mortes no Brasil. Já neste século o mundo teve algumas epidemias virais com sintomas relacionados também à gripe e uma outra, em 2013, de Ebola. Mas nenhuma delas teve a proporções e o impacto causado pela Covid-19.
Análise
O mundo viveu algumas epidemias e conflitos mundiais que tiraram a vida de milhares de pessoas ao longo dos anos. No entanto, durante o período em que doenças se assolavam, a resistência de grupos políticos sempre existiram.
“Principalmente de oposição ao governo. Então, tanto como na gripe espanhola como no momento atual da Covid existe uma crítica feita por agentes públicos a determinadas medidas. O que diferencia a época da gripe espanhola é que o negacionismo não vinha dentro das lideranças do governo”, explicou o cientista político Alex Ribeiro.
Na mesma linha, o cientista político Antônio Lucena ressalta que, de fato, a Covid-19 é o evento que mais matou brasileiros na sua história de forma absoluta e se soma em um péssimo momento político, no qual lideranças negacionistas estão no poder, atrapalhando a condução da crise sanitária.
“Acabou amplificando a quantidade de mortes, a resposta foi ineficaz, não houve um planejamento adequado do Governo Federal em relação aos estados, e isso acaba sendo muito ruim e atua para o aumento de mortes”, avaliou o professor Antonio Lucena, lembrando que a Comissão Parlamentar de Inquérito tem suas limitações, mas que o parlamentar vai cumprir o papel que é investigar.
Na perspectiva de Ribeiro, se a CPI avançar nessas questões levantadas pelo relator Renan Calheiros, a crise dentro do governo Bolsonaro pode aumentar ainda mais e, possivelmente, vários de seus auxiliares, ou quem compôs a administração durante a pandemia, podem ser punidos.
“A CPI da Covid é um instrumento que pode prejudicar o governo Bolsonaro porque este tem dificuldade de negociações. Na história recente do Brasil o impacto eleitoral de CPIs não necessariamente leva a um insucesso no pleito. Mas com um governo se distanciando até dos atores políticos considerados independentes ,as consequências das medidas vindas do congresso são de maiores turbulências para Bolsonaro”, enfatizou o cientista político.



