[Opinião] O Brasil, esse navio assombrado
Democracia anda de mãos dadas com a racionalidade, uma depende da outra: sem democracia não há racionalidade, pois tudo seria decisão de um autocrata instalado no poder que não admite palavra contrária; sem racionalidade, não há democracia, pois, as decisões precisam ser pesadas e consideradas, e o método em comum é a racionalidade.
Foi assim na Atenas antiga, em que a assembleia reunida na ágora decidia sobre os assuntos importantes da cidade, considerando-os contra o pano de fundo da razão. E entre nós, a Constituição de 88 consagrou a democracia e a racionalidade contra o obscurantismo autocrata (“quem manda sou eu”) da tirania imposta durante 21 anos.
Com Jair Bolsonaro, estamos às portas de um obscurantismo ressuscitado.
Um exemplo desse obscurantismo é a volta da Cloroquina. É preciso observar que o capitão não a trata como medicamento em si, levando em conta as contraindicações quem tem todo medicamento, mas como uma imposição, com vistas ao autoritarismo. A técnica é personalista, de uma utilização aconselhada pelo capitão (“eu não sou médico”) do navio assombrado, contra o consenso global de especialistas e médicos, incluindo o mais recente alvo da fritura bolsonarista, o ministro da saúde, Nelson Teich.
Bolsonaro anunciou, no diário oficial, a liberação de academias e salões de beleza no momento exato em que Teich prestava contas de sua atuação em uma coletiva. A decisão foi dele, do capitão Jair, sem consultar ninguém, pois é ele quem dita as regras (“eu sou o presidente, pô”). No entanto, o objetivo não são nem academias nem salões, nem até mesmo o ministro: o objetivo é impor sua obscurantista versão e sua enganosa verdade, para navegar na maré crescente que vai chegando ao Planalto com o vídeo da insana e autocrática reunião ministerial.
Esse tipo de obscurantismo, ele já havia proposto antes. Todo mundo vai se lembrar da propaganda que ele fez do nióbio, mágico mineral que iria de uma hora para outra nos tirar da rua da amargura. A insistência de Bolsonaro sob a forma da Cloroquina é, assim, aleatória.
Isso porque o seu objetivo não é salvar ninguém nem diminuir a quantidade de mortos no país, mas apenas impor sua vontade, amolecendo a vontade dos outros, das instâncias superiores, da consciência popular, com o objetivo de aumentar seu poder com vistas a uma forma qualquer de autocracia, com ele e os filhos no topo.
O Brasil é um navio assombrado e comandado por um capitão. O navio irá a pique, e os seus passageiros se afogarão às centenas todos os dias nas UTIs do país.
*Jorge Waquim é graduado em filosofia e tradutor
@Jwaq



