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[Opinião] Quem tem medo do conflito?

Jorge Waquim é filósofo pela Universidade Paris Nanterre e tradutor. Jorge Waquim é filósofo pela Universidade Paris Nanterre e tradutor.  - Divulgação

O Brasil é uma nação em conflito. Esta parece ser a impressão geral sobre o momento por que ora passa o país. Junto a essa impressão, vem atrelada uma clara sensação de medo, como se a estrutura do Brasil fosse se esgarçar de vez e ruir.

Aliás, o mantra do fim próximo do país é popular e todos o conhecem, “o Brasil está no fim”, pois é repetido à exaustão nas mídias sociais e nas conversas alcoolizadas nos bares, como se fosse um desejo secreto de cada um que isto aqui explodisse mesmo. O cidadão trafega, assim, entre o medo do conflito e a adrenalina que dele resulta.

Conflitos existem de todo tipo, desde uma guerra exterior aberta - da qual o solo pátrio está relativamente livre pelo seu soft power em relação a seus vizinhos e também por um certo isolamento geopolítico – até aquele provocado pela reclamação por um quilo de batatas mal pesado na feira. Batatas, que no romance de Machado de Assis, foram o motivo do conflito entre duas tribos (“ao vencedor, as batatas”).

O ser humano, na verdade, já nasce e cresce sob o conflito. Para Freud, o conflito já surge entre os desejos e as proibições sociais e é formador da alma humana. E a vida inteira ele passa se metendo em conflitos, dos quais ora é sujeito ativo, provocando conflitos, ora é apenas sujeito passivo e vítima da disputa.

E, não há como negar, o ser humano tem uma verdadeira apetência pelo conflito e, para provar, estão aí as partidas de futebol, as apostas, os torneios de cartas, a rinha do galo de briga.

Mas, os conflitos podem nascer apenas de um dedo erguido e uma voz levantada para protestar pelo próprio direito. E frequentemente não há como escapar de conflitos, pois o país é palco de constantes violações de direitos, e o dedo em riste e a voz erguida são comportamentos repetidos com insistência nestas latitudes.

Alguns filósofos antigos queriam viver sem problemas – a ataraxia –, cultivando um mundo onde as dúvidas, as paixões ou dores, formas diferentes de conflitos, seriam suspensas. Isso nos faz pensar na fábula do homem brasileiro como homem cordial, em sua renúncia a acender conflitos, a causar problemas e sempre evitando uma discussão mais acalorada sobre pontos de vistas opostos.

Conflitos, no entanto, podem ser salutares para uma sociedade, demonstram o seu dinamismo e são criadores do futuro. E se o Brasil vive hoje um momento onde as vozes se elevam para protestar, para discutir de maneira acalorada, isso não precisa ser visto como negativo, pois demonstra que o país está tateando em busca de um caminho, mesmo que não seja da melhor maneira. Diálogos, conversas, discussões acaloradas são conflitos. O silêncio e a tranquilidade nem sempre são bons sinais, o espaço público precisa de conversa, de diálogo, ou seja, do conflito. E sem conflito, não há conciliação.

A data simbólica do nascimento da principal figura da religião ocidental se aproxima. Se a maioria pensa no Jesus de Nazaré como homem de paz, é preciso não esquecer que ele mesmo, segundo os relatos dos evangelhos, se disse homem do conflito: “Eu não vim trazer a paz, mas a espada”. Quando se risca uma linha demarcatória de opiniões e conceitos, o conflito será o seu produto mais certo.

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