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Folha Gastronômica

Carne de cavalo

A carne de cavalo é semelhante à do boi, embora mais gordurosa, de cor mais intensa, e de sabor mais forte e adocicadoA carne de cavalo é semelhante à do boi, embora mais gordurosa, de cor mais intensa, e de sabor mais forte e adocicado - Greg Vieira/ Arte Folha de Pernambuco

O cavalo é o mais elegante dos animais. E um dos mais antigos também. Seu mais remoto ancestral, o Hyracotheriun, viveu a cinquenta milhões de anos. Do gênero Equus, é da mesma família do asno e da zebra – embora, quando cruzem entre si, produzam híbridos (não férteis) como a mula. No início, para o homem, foram apenas alimento; até que, aos poucos, acabaram sendo domesticados. Passaram então a ser úteis na agricultura e no transporte – puxando carroças, carruagens e até bondes.

Em montarias, também, chegando a ter grande importância nas guerras. Bucéfalo, o cavalo de Alexandre, o Grande, o acompanhou em todas as suas conquistas. Vizir levou
Napoleão, de Paris a Moscou, e ali suportou temperaturas de até 60º abaixo de zero; depois, derrotado, fez o percurso de volta, de Moscou a Paris (1812). No exército, ainda
hoje, se chama “unidade de cavalaria” aos equipamentos que substituíram esses cavalos. 

Faltando lembrar que nenhum outro animal se presta tanto a prática de esportes – corrida, polo, equitação. Não só isso. Ajuda também na recuperação da coordenação motora de deficientes físicos (equoterapia).

Por ter tantas qualidades, ou só por preconceito quem sabe, venha talvez o desprezo por comer sua carne (hipofagia). Esse preconceito vem desde o início das religiões. Judaísmo, Islamismo e Budismo simplesmente proibiam seu consumo. 

Também a Igreja Católica, ao tempo do Papa Zacarias (século VIII) – pela preocupação com a crescente popularidade das festas pagãs, onde essa carne era largamente
consumida. Depois passaram a permitir seu consumo apenas em períodos de escassez de alimentos. “Um cavalo dá de comer a duzentas pessoas”, assim escreveu Leonardo da
Vinci em seu Caderno de Cozinha. Recomendando até uma sopa de cavalo – “a melhor maneira de ingerir um cavalo é esta: deve-se prepará-lo como a sopa de vaca, mas no
lugar de três cenouras, três cebolas”.

No aspecto, a carne de cavalo é semelhante à do boi, embora mais gordurosa, de cor mais intensa, e de sabor mais forte e adocicado. Os franceses foram os primeiros a estimular seu consumo. Entre outros ali, assim fizeram o naturalista Auguste de Saint-Hilaire e o médico e escritor Amédée Latour – que chegou a promover jantar (em 1º de dezembro de 1855), em que preparou os mesmos pratos usando carne de cavalo e de boi. Com unanimidade, no julgamento dos convidados, em relação à primeira. Um deles até disse, com relação aos caldos – “o
de boi é bem inferior ao de cavalo, com gosto menos acentuado e perfumado”.

Francatelli (apesar do nome era um cozinheiro inglês que aprendeu as artes de seu ofício na França, e que chegou a trabalhar para a rainha Vitória) também preparou jantar no
Hotel St. James (19 de dezembro de 1887), servindo apenas carne de cavalo: Le Consommé de Cheval aux Quenelles, Les Saucisses de Cheval aux Pistaches, La Culotte de Cheval Braisée aux Choux. Foi um encantamento geral. Mas esses sucessos culinários não impressionaram Alexandre Dumas, para quem era “difícil imaginar que um dia a carne de cavalo venha a entrar no consumo cotidiano” (em O Grande Dicionário de Culinária).

Hoje, sua carne é largamente consumida na Europa (França, Itália, Bélgica), Escandinávia (Suécia) e Ásia (Japão, China e Índia). Servida sobretudo crua – steak tartar, carpaccio, sushi, sashimi. E nos embutidos (salames e mortadelas). Sem esquecer que alguns pratos aparecem nos cardápios acompanhados da expressão “a cavalo” – mesmo sem levar cavalo nenhum, apenas para referir seu volume. Entre eles anjos a cavalo (ostras envolvidas em fatias de bacon, grelhadas e servidas na torrada com manteiga); demônios a cavalo (ameixas envolvidas em fatias de bacon, grelhadas e servidas na torrada com manteiga); e, mais famoso deles, o bife a cavalo (servido com dois ovos fritos sobre a carne).

Para alguns, essa última receita surgiu a partir de prato que os cavaleiros preparavam usando os ingredientes que levavam em suas mochilas (carne e ovo); para outros, esses ovos da receita se referiam à parte anatômica dos cavaleiros, bem aquecida após longo período de montaria.

O Brasil é grande produtor dessa carne; mas, antes que o amigo leitor se preocupe, apenas para exportação. Seja como for, alguns restaurantes de São Paulo já começam a introduzi-la no cardápio. Mas pesando prós e contras, aqui para nós, melhor talvez seja que essa moda de comer carne de cavalo não chegue nunca por aqui.

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