Sáb, 06 de Dezembro

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Folha Gastronômica

O caju na Marquês de Sapucaí

O cajuO caju - Greg/Arte Folha de Pernambuco

A escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel vai para o sambódromo, na segunda feira de Carnaval, com o enredo Pede caju que dou... Pé de caju que dá. Celebrando essa fruta que, segundo Guilherme Piso (que veio para o Brasil com Nassau) é “uma graça divina concedida aos habitantes destas regiões”.  É que cajueiro é mesmo planta nativa do Nordeste brasileiro. E, também, do Norte. Seu nome científico (Anacardium occidentalis L.) refere o aspecto físico do fruto – Ana (como) Kardia (coração). O caju, aka’iu (noz que produz), já fazia muito sucesso entre os índios. Há notícias de “Guerra dos Cajus” entre aldeias, nas safras, pelo controle de suas matas. Usavam também as castanhas para contar anos. Uma para cada safra. Tantas castanhas, tantos os anos de vida. O sentido permanece até hoje: “de caju em caju” (de ano em ano); “chupou mais um caju do balaio de sua existência”, “mais um caju na árvore da sua vida”. 

Sem esquecer que o fruto do cajueiro é a própria castanha – com casca dura e amêndoa protegida por líquido viscoso, cáustico e inflamável. “Sua casca é mais amargosa que o fel. Se tocarem com ela nos beiços, dura muito aquele amargor e faz empolar toda a boca; pelo contrário, este caroço, assado, é muito gostoso”, assim a descreveu Pero de Magalhaes de Gândavo (em Tratado da Terra do Brasil, 1576). Com os índios, aprendemos a assar essas castanhas em processo que se usa até hoje. Aos poucos, acabaram transformadas em iguaria. Valorizada no mundo todo. Há também quem aprecie a castanha verde – o maturi (do tupi matu’ri, “o que está por vir”), imortalizada por Jorge Amado em Tieta do Agreste, com a famosa receita de Frigideira de Maturi.

Alimentando a castanha, temos o próprio caju – parte carnosa amarela, vermelha ou numa mistura variada dessas cores. Com sua polpa se faz sorvete, suco e doces (em calda, de corte, passas) – um dos primeiros preparados, nas casas-grandes, por portugueses, que não conheciam a fruta antes de chegar por aqui. Sem contar  bebidas –  licor de caju (suco da fruta mais álcool à 400, água e açúcar), mocororó (espécie de vinho, mais leve e menos encorpado), cajuína (suco filtrado, engarrafado e cozido em banho-maria – inventado, segundo Rachel de Queiroz, pelo farmacêutico cearense  Rodolpho Teófilo)  e jeropiga  (cajuína com aguardente) – “cajuína cristalina em Teresina”, como nos versos de Caetano Veloso. Tanto sucesso fez entre o colonizador, que viraram produto de exportação, levados para Ásia e África, em naus portuguesas. Segundo a FAO, maior produtor de castanha hoje é a Costa do Marfim, seguida por Índia, Filipinas, Tanzânia, Guiné-Bissau. O Brasil aparece apenas em sexto lugar. Provavelmente porque muitos de nossos cajueiros foram substituídos por cana-de açúcar, coqueiro e concreto. “Os homens construíram suas moradas sobre um cemitério de plantas, assim escreveu Mauro Mota em Cajueiro Nordestino.

O padre Simão de Vasconcelos, um dos primeiros historiadores da América portuguesa, dizia fazer “parte da felicidade dessa gente”. Para Mauro Mota, “não há fruto de tanta importância, na vida social e econômica do nordestino”. Já o poeta Edmir Domingues fala “do antigo amor sempre aos domingos, num campo de cajus e de mangabas” (em Memória do Amor). Na pintura está em quadros importantes como A Mulher Mameluca, de Albert Eckhout, no Museu Nacional da Dinamarca. Mas os escolhidos para desfilar na Sapucaí foram reproduções de A feira de Tarsila do Amaral (representada por Regina Casé) e a Negra tatuada vendendo caju de Debret (representado por Marcelo Adnet). Eles cantarão, junto com toda a multidão:    
“Carne macia com sabor independente
A batida mais quente, deixa o povo provar
Meu caju cajueiro
Pede um cheiro que eu dou
O puro suco do fruto do meu amor”
Viva o nosso caju!!!!
 

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