Frederico Pernambucano: estética da verdade
O cangaceiro trazia uma ambivalência. Violência e arte
"A quem só o vê retirante, vazio do que nele é cante, nos deste a ver que nele o homem, não é só o capaz de sede e fome"
João Cabral de Melo Neto, A Pedra do Reino
Cangaceiro é homem feito de cartucheira, ouro, prata e estrelas. Falo sobre Guerreiros do Sol. De Frederico Pernambucano. Que dedicou uma vida de pesquisa à cultura nordestina. Focada no estudo do irrendentismo do homem tropical. Na época em que este alimentava o viver sem lei, nem rei. Imaginando atuar como rei de si próprio. Em rebeldia nativa.
O cangaceiro trazia uma ambivalência. Violência e arte. Violência resultado da perseguição policial. E arte como expressão de sensibilidade tropical. Arte brasileira. Como projeção do homem. Resistindo à influência da pressão religiosa. Uma arte forte, colorida, adornada de flores, objetos marchetados: punhal, cartucheira, chapéu de couro, fitas e linhas. Flor de lis. Da casa real de França.
O cangaceiro tinha orgulho da beleza de combatente. Queria se apresentar belamente. Como que correspondendo à boniteza da vida. Carrego comigo minha arte, pensava. Tesouro bordado na poeira. Ouvido nos tiros. Inscrito na sofisticação. De Lampião e Maria Bonita alfaiates. Dançarinos. Uma dança masculina. Alegre. Exaltando o cangaço. Para animar a solidão na caatinga.
O cangaceiro, em eventuais alianças brancas com os coronéis. Mas que não evitavam os saques. E botins. De que resultava a coleta de licores, gim e uísque. Além de perfume francês. Trazido da fazenda da baronesa de Água Branca. E anéis de ouro. Como o usado por Lampião, com monograma. Estética do cangaço. Tudo isto e muito mais. Está nos livros escritos por Frederico Pernambucano.
A vez mais recente, que estive com ele, foi em 2017. Em visita na sua residência. Em Casa Forte. Falando sobre sua segunda casa, a Fundação Joaquim Nabuco. E sobre Gilberto Freyre. E o mundo tropical. As raízes e os frutos da tropicologia. O acervo de informações científicas, culturais, ecológicas, artísticas. Que lá está guardado. Sendo cuidado. No Museu do Homem do Nordeste. E nos dois cinemas. Olhando o futuro. No horizonte largo do tempo tríbio.
Pois bem. Semana passada, via o noticiário de tv. Quando ouvi o anúncio da premiação mundial do Rose d’Or Awards. Como melhor série em 2025. Guerreiros do Sol. Levada ao ar por televisão brasileira. E a notícia continuava dando informações. Foram contratados dois roteiristas. Que fizeram a adaptação da obra de Frederico Pernambucano para a série televisiva. E que, convocados ao palco, receberam os prêmios. Próxima notícia.
Parei. Fiquei pensando. E os Guerreiros do Sol originais? Os verdadeiros? Edição de 1985? Com prefácio de Gilberto Freyre? Por que a omissão? O velho preconceito antinordestino? O Brasil tem, no Nordeste, um de seus berços históricos. E culturais. Os esquecimentos de conveniência não mudam isto. Mas fazem por onde estabelecer a estética da verdade.



