Claire Danes e Matthew Rhys elevam “O Monstro em Mim” acima do thriller comum
Minissérie da Netflix aposta no desconforto psicológico e na força do elenco bem preparado
“O Monstro em Mim” chegou na Netflix sem fazer muito alarde. A série parte de uma premissa simples: uma escritora premiada tentando conviver com seu próprio luto e trauma até sua tragédia doméstica virar uma paranoia crescente com a chegada de um vizinho, também famoso, mas com um passado que sugere alertas e perigos sérios.
Claire Danes (Homeland) e Matthew Rhys (The Americans), em rara sintonia de desconforto, são o motor do estrago emocional. Ela, uma escritora soterrada por lembranças. Ele, um homem cuja presença basta para poluir o ar do cômodo.
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A partir desse encontro, a narrativa abandona qualquer busca por grandes reviravoltas e se agarra ao terreno fértil do incômodo cotidiano, das conversas cortadas no meio e dos gestos que escondem algo que ninguém quer nomear.
A condução de Howard Gordon acerta de várias maneiras. Nenhum episódio termina com um truque previsível, o que fisga é a sensação de que cada nova troca entre Aggie (Danes) e Nile (Rhys) revela algo podre que sempre esteve ali, só faltava luz. E quando essa luz aparece, ela é cruel.
Mérito do elenco
Gordon parece interessado menos na pergunta “quem fez o quê?” e mais na ideia de que o instinto, quando machucado, vira bússola torta e que quase sempre é essa bússola que decide o rumo, não a razão.
Matthew Rhys está especialmente incômodo como Nile, um milionário que se sustenta no tipo de charme que exige controle imediato. Há algo corrosivo em como ele ocupa espaço, interrompe, invade. Claire Danes, por sua vez, faz de Aggie mais do que uma mulher enlutada, ela está sempre à beira de um soluço, sempre tentando recuperar o que o trauma arrancou. A dupla funciona porque não disputa protagonismo, mas compartilha o mesmo abismo.
Bom suspense psicológico
O maior mérito de “O Monstro em Mim” é recusar a armadilha do “true crime de fachada”. Não há romantização de vizinhos suspeitos, nem glamourização de violência doméstica. Há, sim, um desconforto crescente que se apoia em algo mais interessante: a noção de que, entre vítimas e algozes, há uma zona nebulosa onde o instinto luta para sobreviver.
A série entende que monstros raramente são figuras externas. Geralmente, são sombras que acompanhamos de perto, às vezes dentro de casa, às vezes dentro da própria cabeça.
Dentro do que chamamos de suspense psicológico, “O Monstro em Mim” faz o que o gênero oferece de melhor, expor rachaduras. E faz isso com convicção, deixando uma pergunta incômoda em cada episódio: o perigo está no outro ou naquilo que cada um tenta esconder de si?
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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