'Amores Canibais', da Netflix, traz a sobrevivência em seu limite
Filme, que está disponível na plataforma, flerta com o experimentalismo, mas não obtém êxito em sua tentativa
Vem do cinema independente norte-americano uma medida importante de experimentação e vigor. Há diretores que testam enredos e personagens difíceis de catalogar em poucas palavras, exercitando temas e perspectivas diferentes do cinema mainstream. Às vezes, tudo isso acaba em um grande filme que tem o potencial de se tornar clássico depois de algumas décadas, em outras o resultado é um tropeço monumental, como "Amores Canibais", novo filme de Ana Lily Amirpour que estreou direto no catálogo da Netflix.
O filme começa sem grandes explicações: Arlen (Suki Waterhouse) sai de uma prisão depois de cumprir pena, e o lado de fora é um território hostil, uma espécie de Mad Max: um futuro distópico, uma terra selvagem dominada pela lei do mais forte. Nos primeiros minutos, Arlen é capturada por um bando de homens e mulheres marombados, corpos tão fortes que beiram a deformação, e descobrimos da pior forma possível que eles são canibais. Depois de perder uma perna e um braço, ela consegue escapar de uma maneira... peculiar.
O longa-metragem apresenta uma coletânea de personagens excêntricos. Há um exército de mulheres grávidas armadas com fuzis e vestindo camisetas com slogans publicitários; marombados canibais, que acorrentam e se alimentam de pessoas que vagam pelo deserto. Outros têm nomes que parecem indicar um entendimento alegórico, como The Dream ("o sonho", Keanu Reeves) e The Hermit ("o eremita", interpretado por Jim Carrey, irreconhecível), sinais de certas ideias pretensiosas que falham na prática.
Por algum motivo que escapa a razão, Arlen parece se apaixonar por Miami Man (Jason Momoa), um dos assassinos canibais. As cenas entre os dois são difíceis de decifrar, pois nenhum tem qualquer indício de carisma. Dessa forma, o filme progride de maneira estranha e truncada, com um enredo que faz cada vez menos sentido e parece forçar uma ideia existencial e filosófica não muito bem estruturada.
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Há uma carga de violência e brutalidade que parece apontar para o cinema de Quentin Tarantino, mas, durante o filme, a sensação é de uma tentativa meio desesperada de emular o estilo do autor, transformando violência em entretenimento fotografado com virtuosismo e editado a partir de uma forma distorcida e afetada de autoria. É uma referência ao diretor a partir de suas características mais básicas, sem, no entanto, dar a essas imagens, cenas e personagens o carisma que elas têm no cinema de Tarantino.
Entre os grandes problemas do filme está seu grande vazio. É impressionante a duração das cenas em que nada acontece, longas sequências em que os personagens apenas vagam sem rumo pelo deserto e enquanto caminham passam por letreiros ou mensagens escritas nas paredes, frases como "ache conforto" ou "isso não é real". São frases pretensiosas casualmente alojadas no fundo da imagem como tentativa mal sucedida para dar mais profundidade a um enredo que falha em construir uma história interessante.
Cotação: ruim

