História em quadrinhos "Gus" avança fronteira do faroeste
Livro do francês Christophe Blain consegue balancear desenho e roteiro com dilemas do mundo contemporâneo ambientados no Velho Oeste
Os três primeiros volumes editados pela Sesi-SP alternam o protagonismo das aventuras entre os personagens do bando (Gus, Clem e Gratt) que têm em comum o banditismo e as relações afetivas tumultuadas. Não se trata de romance de época. São dilemas e situações contemporâneas ambientadas no velho oeste. Então não espere jovens passivas à mercê das investidas de caubóis “testicocéfalus”. Elas também colocam em xeque as certezas, as táticas e muitas vezes tomam as rédeas ou mesmo a iniciativa - afinal todos estão se divertindo nessa dinâmica amorosa. As situações são hilárias, picantes, imprevisíveis, deixando o leitor grudado. Difícil não ler o livro num fôlego só.
Nem só de romance constam as aventuras de Gus. Claro que o velho oeste sem tiros, roubos ou brigas fica irreconhecível. Isso também é um mérito na capacidade de Blain contar histórias de ação. Sua imaginação é tão fértil que ele costura muito bem toda essa trama libidinosa nas motivações “marginais” de seus personagens. Eles vivem a plenitude dos desejos não reprimidos. Impossível não simpatizar com eles.
A fluidez contida em Gus é outra característica marcante da HQ. Blain domina a linguagem dos quadrinhos como poucos. Tanto no roteiro como nos desenhos. Eles encaixam de uma maneira que seria impossível adaptar para outra linguagem sem algo se perder no caminho. Seu desenho cartunesco não deixa de transmitir sensações que extrapolam o humor. Também é emocionante, tenso, sombrio... mas, sobretudo, divertido. Blain talvez explore o aspecto psicológico dos desenhos cartunescos como nenhum quadrinista antes.
O autor é extremamente habilidoso no desenho - detalhado quando necessário, e muito simples também. Paisagens, cenários e sequências de ação são retratados com maestria. Sem a garba nem a pretensão do desenho arrebatador, mas de uma execução enxuta, precisa. Então, não se engane, o cara desenha muito. “Gus” é também um quadrinho para os olhos. E como o autor é um exímio contador de histórias, ele sabe bem balancear a função do desenho e do roteiro.
Quando os diálogos dominam a cena, o desenho é resumido a simples silhuetas ou perfil dos personagens. E também acontece o contrário. Se a conversa se estende para um campo decifrável ele literalmente aplica um “blá, blá, blá”. O que pode parecer algo tosco na verdade só corrobora para a fluidez da história. Tudo o que está lá tem razão de ser e uma função narrativa. Não se espante se o quadrinho virar um desenho animado na sua cabeça. É bem provável que isso aconteça.

