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Literatura: David Goodis foge ao estereótipo noir

Escritor norte-americano que completaria 100 anos se estivesse vivo sempre focou sua obra em personagens excluídos

Escritor noir norte-americano David GoodisEscritor noir norte-americano David Goodis - Foto: Divulgação

Todo mundo deveria ler David Goodis. No ano em que se completa o centenário de seu nascimento e o cinquentenário de sua morte, sua literatura continua bastante atual. O mundo retratado pelo autor de “A Garota de Cassidy”, (1951), “A Lua na Sarjeta” (1953), “Sexta-Feira Negra” (1954) e “Atire no Pianista” (1956) - títulos disponíveis no Brasil -, embora muitas pessoas o neguem e reneguem, nunca deixou de existir, mas se exacerba em momentos de crise.

É aquela sujeira, que insistimos em acumular debaixo do tapete. É a torneira aberta pingando dentro de um tonel que, cedo ou tarde, transbordará.

Hoje, quando o leitor se inicia na literatura noir, o norte-americano David Loeb Goodis (2/3/1917-7/1/1967) está ali, entre os maiores. Mas nem sempre foi assim. Nascido na Filadélfia, lançou seu primeiro livro, “Retreat from Oblivion”, em 1938, com 21 anos de idade.

Uma certa notoriedade, porém, só ocorreu nove anos depois, com “Dark Passage”, que foi adaptado para o cinema (no Brasil recebeu o título “Prisioneiro do Passado”), com Humphrey Bogart e Lauren Bacall nos papéis principais.

Ainda em 1947, passou a trabalhar como roteirista de Hollywood, assinando o roteiro de “The Unfaithful” (“A Cruz de um Pecado”, com Ann Sheridan e Lew Ayres), experiência que não durou três anos e logo Goodis voltou para sua Filadélfia natal para 17 anos de uma total imersão literária.

Curiosamente, em mais uma das contradições de sua vida e carreira, a maior parte dos filmes associados à literatura de Goodis está nas mãos dos europeus. Do belga diretor Pierre Chenal (“Section du Disparus”, 1956), passando pelo turco Henri Verneuil (“Os Ladrões”, 1971), até os franceses Jacques Tourneur (“A Maleta Fatídica”, 1956), François Truffaut (“Atire no Pianista”, 1960), René Clément (“O Homem que Surgiu de Repente”, 1972), Jean-Jacques Beineix (“A Lua na Sarjeta”, 1983), Gilles Béhat (“Rue Barbare”, 1984) e Frances Girod (“Descente aux Enfers”, 1986).

Apenas alguns dos indícios que comprovam a tese de que a obra de Goodis passa por uma compreensão fora da curva - e que assim deve ser consumida, absorvida.
Noir na essência da palavra
Quando se pensa em literatura noir vem à mente a figura do detetive outsider, de sobretudo e chapéu, contatado - nem sempre contratado - por uma loira, ruiva ou morena fatal para bisbilhotar e, quem sabe, resolver um crime.

Nesse aspecto, Goodis aparece ofuscado por gênios como Dashiell Hammett, Raymond Chandler, James M. Cain e Ross Macdonald. O texto de Goodis, porém, sobressai exatamente na fuga desses estereótipos comuns ao gênero.

A pujança em sua ficção, que faz com que o leitor não desgrude de seus livros um só instante, está no olhar que o autor tinha sobre as classes menos favorecidas, marginalizadas, excluídas, frustradas, sem esperança.

É importante lembrar que sua literatura eclode em momentos icônicos do século 20, pós-Depressão e pós-guerra.

Os protagonistas de suas histórias são pessoas comuns, anti-heróis de uma América que nunca viveu o tal sonho que diziam existir. Pouco tempo após a existência de Goodis - que morreu ainda consideravelmente desconhecido -, essa mesma América se convenceria de que o sonho havia acabado - nunca notando que jamais existira.

Mas esse olhar na literatura de David Goodis não é exclusivo de sua época. É universal. Está por aí, a nosso redor. Está aqui no Recife, na zumbilândia das ruas das altas noites; nos crimes, na corrupção e na desfaçatez do dia a dia; nos saltos dos edifícios; no preconceito sob todas as suas faces; na fome e na falta de dinheiro, que não são necessariamente a mesma coisa; no oportunismo; e na forma como a maioria das pessoas conseguem conviver com ou superar esses problemas.
LIVROS DISPONÍVEIS NO BRASIL:
“A Garota de Cassidy” (Coleção L&PM Pocket, 224 páginas, impresso: R$ 17,90)
“A Lua na Sarjeta” (Coleção L&PM Pocket, 200 páginas, impresso: R$ 17,90; e-book: R$ 14,90)
“Sexta-Feira Negra” (Coleção L&PM Pocket, 200 páginas, impresso: R$ 18,90; e-book: R$ 14,90)
“Atire no Pianista” (Coleção L&PM Pocket, 224 páginas, impresso: R$ 18,90; e-book: R$ 14,90)

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